segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O que Newton diria disso?

Por Fabrício Zambon

Construir um mundo novo, novas paisagens, viver de formas “sustentáveis”, enfim, qualquer que seja nossa utopia como profissionais ou futuros profissionais da área Ambiental, ela só é atingida com dois movimentos necessariamente dependentes. O movimento externo, e o interno de construção de cultura. Sim, cultura. Não se trata de mudar as estruturas de poder apenas, ou as relações de trabalho etc. Se trata de mudar a forma de pensar e agir em todas as relações humanas com os seres e espaços que coexistem conosco.

O movimento interno trata-se de formação do ser e o externo de desenvolvimento das sociedades, ou seja, dos coletivos. É a conhecida dialética histórica, porém tratada de forma mais “intimista”, levando em conta também o processo de transformação necessária dos indivíduos em conjunto com as estruturas sociais, econômicas e, é claro, as condições ambientais.

Muitos dizem que somos parte integrante do meio, e com isso concordo, e talvez por isso, precisemos de mudanças objetivas ao nosso redor para ter mudanças internas, mas também precisamos ter mudanças objetivas internas, para interferir na condição objetiva do espaço socioambiental. E isso cria condições para mais mudanças internas. E assim sucessivamente. Para compreender tal afirmação, basta imaginar um possível motivo para termos um hábito. No Brasil, por exemplo, o clima influencia nosso costume do banho diário, herdado de culturas indígenas. Se a neve fosse uma constante, talvez o costume fosse outro. Mas mesmo com a condição ambiental, a variável humana é importante. Sem a iniciativa e percepção do mundo desenvolvida autonomamente por determinadas sociedades que aqui vivem, tal costume nunca existiria. Ele é criação humana, e criatura da realidade ambiental. Nem mais uma coisa, nem mais outra.

É de fato, muito difícil definir o que deve vir primeiro nesse ciclo de construção da história e da cultura, e em verdade, acredito que não há algo que venha antes. O movimento é circular, e portanto, sem pontas. Porém, em meio a tanta complexidade, para o entendimento do processo, pode-se dizer que há um pouco de “positivismo” nisso tudo. Esse movimento dialético é como uma bola que vai subindo uma escada. A cada mudança ser/sociedade é como se a bola estivesse subindo um degrau. No primeiro degrau, por exemplo, o mundo volta suas atenções para as questões socioambientais. A informação é exigida, e há condições para sua difusão. Assim, ela começa a se “espalhar” um pouco, pois pessoas, intimamente, buscaram interpretar sua realidade de forma diferente.

Nesse primeiro degrau, cria-se a condição para a mudança de alguns hábitos, pouco a pouco. Pois cada degrau é largo, e antes de subir mais um degrau, a bola continua rolando no mesmo plano por um bom tempo. Aliás, cada degrau tem um tamanho diferente, e a depender do ângulo que se olha pode parecer maior ou menor.

Mas chega o segundo degrau, e novas coisas acontecem no movimento da bola ser/sociedade. Cria-se pouco a pouco a condição para a mudança de costumes. Os hábitos que foram se transformando agora caracterizam comportamentos mais abrangentes. E assim por diante, até que se chegue em valores, pautados agora, depois de tanto movimento, já em uma nova realidade; e por fim, nota-se que a cultura foi se transformando pouco a pouco, e é agora bem diferente do que fora no primeiro degrau, pois novos valores, são condição (não a única) para uma nova forma de ser e estar no mundo, partilhada por esse binômio identidades individuais e identidades coletivas.

Mas o que Isaac Newton diria disso? E a lei da gravidade, onde fica? Ela, ao contrário do que parece, não está sendo desprezada. O subir dos degraus depende de uma força motriz. A “bola” não sobe magicamente. É preciso que algo ocorra para dar aceleração e configurar o movimento contra gravitacional. Ora, de onde vem essa força motriz? Muito difícil de dizer. Talvez, seja de uma catástrofe, ou uma grande idéia de um indivíduo. Uma pressão fora do nosso controle. Mas ainda assim, tais fatos se misturam no movimento circular de construção cultural. O que vem antes é subjetivo, essa força motriz talvez pertença ao mistério da filosofia profunda, assim como os mitos residem nos becos, nos bosques e na imaginação. Lugares onde a razão não consegue penetrar. Locais onde os hermeneutas da racionalidade cartesiana não são bem recebidos. Seja como for, isso pouco importa. Importa dizer que sim, há sempre uma força motriz por trás de todo movimento que rompe com a inércia.

A única coisa que se parece saber sobre essa força, é que ela, como qualquer outra força, é uma soma de vetores. Nesse caso dois. E novamente, percebe-se de onde vem tais grandezas. O vetor do ser, e o da sociedade. O que ocorre, é que normalmente falamos do vetor da sociedade nos nossos anseios por entender o mundo e vislumbrar caminhos para ele. É como se soubéssemos em que direção ele deve estar para que tudo rume para a nossa Utopia, mas ignoramos o vetor íntimo. Esquecemos ou negligenciamos muitas vezes, o vetor da reforma interior que também gira a bola e a empurra para cima. Sábios já falaram sobre isso. “Ame ao próximo como a ti mesmo”; “Seja a mudança que quer ver no mundo”. Já ouvimos isso antes... Não é novidade. “Somos animais políticos”, ou seja, necessariamente influenciamos nossa realidade. Aristóteles aqui também fala de ética... Enfim, para transformar a existência, nunca devemos esquecer do movimento duplo, das identidades individuais e coletivas. O diálogo é, querendo ou não, constante entre a parte e o todo. Devemos apenas direcionar os vetores em uma mesma perspectiva para compor uma força que empurre a bola pra cima. Que vença a inércia. Que leve ao horizonte sempre distante.

Em cada microcosmos reside uma semente de um novo mundo. Também dentro de cada um de nós há um microcosmo.

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