quarta-feira, 26 de outubro de 2011

"A Cidade que Queremos": em busca da melhoria do ambiente urbano


                O post de hoje é para divulgar um projeto bem bacana chamado “A Cidade que Queremos”.  A idéia é incentivar as pessoas a conhecerem o local onde vivem e a pensarem em novas formas de melhorá-lo, adequando-o a suas necessidades.
                O projeto baseia-se nas idéias de Jane Jacobs, uma pensadora urbana norte-americana, que defendia que as cidades são sistemas orgânicos, e que as pessoas que vivem nela são essenciais para sua existência, portanto, a cidade deveria ser planejada para elas. Outra de suas idéias é que não é possível planejar uma cidade sem conhecer sua realidade, sua história e suas necessidades. Como ela mesma expressa: “Ninguém pode achar que irá planejar nossas cidades olhando dados, manipulando maquetes ou inventando cidades de sonho. Você tem que sair e andar.” (1957).
                Uma das propostas do projeto é promover passeios pelos bairros das cidades, para que os cidadãos possam conhecer melhor seu ambiente e o que pode ser melhorado nele.
                O ambiente coletivo é o local onde ocorre grande parte das relações humanas, e atualmente, com a violência crescente nas cidades, as pessoas tendem a tornar este espaço um lugar de passagem apenas, fechando-se cada vez mais em seus próprios lares e à convivência com a vizinhança.
                Em conseqüência, os bairros, praças, centros culturais e de lazer ficam cada vez mais abandonados, e as iniciativas públicas para alterações do espaço urbano cada vez mais distantes das necessidades dos habitantes. É dentro desta conjuntura que se faz necessário que as pessoas conheçam o local onde vivem e que criem vínculos com ele.
                Abaixo, deixo o endereço do blog deste projeto, onde podem ser encontradas mais informações sobre planejamento urbano e várias idéias para melhoria do ambiente coletivo:


Por Isabela Romo


      

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Comunicação ambiental: estratégias de mobilização socioparticipativa para educação, informação e integração da rede socioambiental APA SUL RMBH

O objetivo deste artigo é introduzir e analisar os modelos de comunicação utilizados na estruturação da Rede Socioambiental no território da unidade de conservação da APA SUL RMBH, um ambiente que envolve questões polêmicas e interesses econômicos. Tais modelos almejam estabelecer diálogos e compartilhar informações acerca dessa região de modo intersetorial, participativo, igualitário e dinâmico, enfatizando o caráter mobilizatório dos processos comunicativos. A definição de objetivos comuns, a problematização participativa, a definição dos atores sociais e seus papéis, bem como o planejamento para a maior eficiência do processo, emergem como estratégias de mobilização que se estruturam “com”e não “para” a sociedade.

O projeto da rede socioambiental APA SUL RMBH

O projeto de pesquisa e extensão intitulado “Projeto Estruturante da Rede de Extensão Socioambiental em Regiões Mínero-Metalúrgicas: a APA SUL, seu mosaico de unidades de conservação e as comunidades do entorno” tem o objetivo de estruturar e implementar uma rede de extensão socioambiental em regiões mínero-metalúrgicas do Estado de Minas Gerais, visando ao planejamento territorial e ambiental da Área de Proteção Ambiental Sul da Região Metropolitana
de Belo Horizonte – APA SUL RMBH. O enfoque básico se fundamentou em dois elementos estruturantes: o das Unidades de Conservação – UC – instituídas, incluindo as de Proteção Integral e as de Uso Sustentável, e as comunidades residentes no entorno imediato dessas áreas protegidas.
O projeto pretendeu avançar na estratégia de estruturação da Rede Socioambiental a partir de espaços de conservação da biodiversidade, da cultura e da paisagem, tomando
como referência distintas escalas de tempo e de espaço para o planejamento, em que se destaca a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE) , compreendendo
a APA SUL RMBH, esta composta pelas Unidades de Conservação (UCs) e Áreas de Proteção Especial Estaduais (APEs). Compondo um mosaico, esse território mostra-se adequado como objeto de estudo e demonstra potencial de projeção para outros espaços que tenham conformação
semelhante, considerando a diversidade de características e a complexidade dessa unidade de planejamento.
A APA SUL RMBH engloba 13 municípios na parte Sul da RMBH e registra, atualmente, mais de duas dezenas de UCs, englobando as categorias Reserva Particular do Patrimônio Natural, Áreas de Proteção Especial, Parques Municipais e Estaduais, Estações Ecológicas, além
das Áreas de Preservação Permanente. Essa diversidade reforça a adequação da região como referência para o estudo das relações entre a gestão da UC e o desenvolvimento socioeconômico, tendo como componentes comunidades que habitam a APA SUL RMBH, cujas características, diversificadas quanto aos aspectos culturais, econômicos, políticos e tecnológicos, associadas às suas estruturas paisagísticas organizadas pela sua geomorfologia e pela sua biodiversidade, compõem um cenário único em relação às suas potencialidades e também pelas diversas fontes de conflitos de várias ordens. Tal dialética exige um modelo de comunicação que atenda às diversas vozes inseridas nesse contexto.
A partir dessa multiplicidade de atores, o projeto informacional da Rede Socioambiental APA SUL RMBH cria e apresenta elementos de mídia para a comunicação ambiental, site e Cartilha da Rede Socioambiental da APA SUL RMBH.
Os propósitos do projeto reúnem a ideia de conexão por meio do diálogo, do encurtamento de distâncias e de intercâmbios presenciais e virtuais com o fortalecimento e mobilização das esferas envolvidas: sociedade civil, universidades, empresas privadas, poder público em todas as esferas e, de modo especial, os governos locais, no processo de gestão ambiental compartilhada e participativa do território.

A comunicação como instrumento de informação e educação

Pichelli e Suzina (2005) denotam que a humanidade vive hoje o que se costuma chamar de “Sociedade do Conhecimento”, caracterizada tanto por uma quantidade historicamente inigualável de informações sendo produzidas e disponibilizadas quanto pela desigualdade no acesso a esses conteúdos. Tal barreira pode ser ocasionada por limites tecnológicos, educacionais e, também, pela falta de adequação de algumas mensagens aos seus públicos de interesse ou mesmo ao cidadão comum.
As tecnologias da comunicação e informação, segundo Silva (2006), coincidem com a luta por uma educação melhor, nem sempre de maneira que beneficie todas as classes e estratos sociais. A organização da tecnologia em favor de maior igualdade, inclusão e acesso não está absolutamente garantida, mas dependerá, em grande medida, da mobilização de segmentos governamentais e empresariais, de educadores e comunidades, exigindo que a tecnologia
seja usada de maneira que atenda aos interesses da educação para todos.
Nesse contexto, a educação objetiva, como indicado por Santos et al. (2008), a transformação do indivíduo no contexto social, pois amplia saberes, constrói a cidadania, estimula a continuidade e a replicação de seus propósitos, fundamenta costumes e culturas, preparando o indivíduo para ser um cidadão consciente, tendo em vista que as ações pedagógicas contribuem para a formação ética e política da sociedade. É preciso analisar que a educação (com ações pedagógicas) desempenha uma função social transformadora e emancipadora, que possibilita a interação entre as diversidades e adversidades, contribuindo decisivamente
com o crescimento mútuo dos seres e a valorização das diferenças.
A educação ambiental, inserida em toda essa conjuntura instrucional, necessita de ferramentas e técnicas mobilizadoras e comunicativas que possam apresentar e esclarecer os propósitos de todo o processo educativo. Os meios de comunicação, então, precisam estar preparados
para fazer inter-relações entre os mais diversos assuntos e o meio ambiente, mostrando à população como o tema está imbricado em tudo aquilo que afeta a sua vida.
Jacobi (2000) afirma que um dos fatores que explica a pouca aderência do discurso ambiental na sociedade é, sem dúvida, o isolamento das organizações ambientalistas dos outros movimentos sociais, uma vez que priorizavam em seu discurso a necessidade de garantir a qualidade ambiental, ignorando as demais demandas sociais.
Para uma real efetividade, o processo educativo, adjacente à utilização de metodologias e técnicas de comunicação e informação eficientes, necessita ser prolongado e replicado, favorecendo a consolidação e o fortalecimento de interações socioambientais, a possibilidade da afirmação de autonomia dos atores envolvidos e a perspectiva de prosseguimento e reedição dos fatores relacionados à educação e à comunicação ambiental.
Baseado na perspectiva de continuidade de um processo educativo, Faria (2000) expõe que o processo de aprender é um momento de descoberta. O aprendizado verdadeiro gera, em essência, a descoberta de “como aprender” e a vontade de continuar aprendendo e descobrindo coisas novas. Em outras palavras, quando se planeja a realização de um processo educativo, é preciso prever continuidade. É indispensável que o ato educacional gere um continuum, um movimento, uma vontade – e um caminho – para prosseguir.
Soares (2005) propõe, todavia, [...] que os profissionais de educação deem um passo a mais: que utilizem os equipamentos dos meios de comunicação do mesmo modo como são utilizados o giz, a lousa, o lápis e o caderno; que a esses se misturem microfones, gravadores, câmeras fotográficas e de vídeo, computadores, aparelhos de tevê, rádio, caixas de som e cabos, cenários, trilhas sonoras, entre outros; que façam deles instrumentos de trabalho, objetos de manipulação, meios de produção dos saberes essenciais para construir uma sociedade de pessoas autônomas, ativas e realmente comprometidas consigo mesmas, com os outros e com
todo o meio ambiente que as integra (SOARES, 2005,p. 3).
Nesse contexto, o projeto da Rede Socioambiental APA SUL RMBH busca viabilizar a elaboração e a aplicação de um conjunto de materiais e métodos que, de maneira gradual e sem descuidar da técnica, objetiva transpor e traduzir a essa coletividade uma gama de informações. A partir de tais informações, ao lado das práticas educacionais abrangentes,
almeja-se incentivar a mobilização e a formação de atores sociais, possuidores de uma consciência cidadã e crítica e de um maior conhecimento e entendimento da conjuntura
socioambiental em que a coletividade está inserida.

Fragmento extraído de :Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, p. 167-184, jul./dez. 2010. Editora UFPR. Disponível em: http://www.redeapasul.com.br/biblioteca_virtual/artigo6_apasul.pdf

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Por Alberto Kirilauskas

Segue um vídeo interessante que demonstra como ocorreu o processo de urbanização da cidade de São Paulo e a relação desse processo com os seus rios existentes.
O vídeo demonstra que existiram posições contrárias ao modelo adotado pela cidade, todavia é perceptível que a questão ambiental não é somente técnica, mas ela é também política.



domingo, 16 de outubro de 2011

Dialogando com os atuais desafios socioambientais das civilizações históricas

Por Rachel Trovarelli



Atualmente existe um grande esforço de um grupo de pessoas no mundo para chamar a atenção da população mundial - e em especial dos políticos - para as questões socioambientais. Este grupo é formado por cientistas, estudantes, profissionais da área socioambiental, militantes políticos, ambientalistas, entre outros preocupados com o futuro dos recursos ambientais e naturais do nosso meio. Preocupação esta que nos possibilita discutir e questionar nosso futuro enquanto espécie animal do planeta Terra.

Os indicadores de que nossa sociedade global não está em equilíbrio com o ambiente são incontáveis: o não acesso a recursos básicos de sobrevivência como a água tratada, destinação correta de esgoto, habitações precárias e baixa disponibilidade de alimentos para todos. O aumento de doenças oriundas de vetores com habitats destruídos, a poluição aquática, terrestre e atmosférica, as mudanças climáticas, a destruição de solos, a perda de biodiversidade e de ecossistemas raros no mundo, são alguns sintomas de que algo está errado.

Se pensarmos ainda nos índices de qualidade de vida como escolaridade, lazer, felicidade e contrastarmos com os índices de pessoas estressadas, agressivas, depressivas e suicidas, teremos a certeza de que somos uma sociedade desequilibrada emocionalmente, ambientalmente, socialmente e economicamente.

Fatores como a destruição ou perda de hábitats naturais, fontes de alimentos selvagens, diversidade biológica e solos já causaram extinção de diversas sociedades na história recente da humanidade.

Os pascoenses, habitantes da Ilha de Páscoa, tiveram uma séria crise socioambiental que acabou praticamente extinguindo a população. A Ilha de Páscoa possuía uma imensa vegetação, bem como uma fauna muito diversa. A sociedade era organizada em clãs. Os chefes competiam na insistência erguer estátuas (Moais) voltadas ao mar, cada vez maiores, acreditando na salvação própria. Essas estátuas possuíam uma demanda imensa de recursos energéticos humanos e ambientais (madeireiros). Destruindo os solos agricultáveis, a floresta, desequilibrando o ecossistema resultando na exaustão dos animais marinhos e aves aquáticas, os pascoenses guerrearam entre os clãs por alimentos e recursos, inclusive com evidencias de canibalismo.

Já os Maias, civilização que habitou a Guatemala, Honduras e o sul do México, guerreavam em nome dos Deuses. Tratava-se de uma luta de poder entre as cidades-estados. A sociedade Maia era avançadíssima em técnicas de engenharia, sistemas matemáticos e contagem do tempo. O colapso desse povo veio juntamente com o aumento populacional e a falta de alimentos, o solo calcário propício a erosões, a falta de água na região e o desmatamento para as grandes construções.

Os vikings, povo originalmente escandinavo e de cultura sangrenta, vivia como piratas em gangues saqueadoras. Os imensos e resistentes barcos eram a principal característica do povo viking. Para construí-los houve um intenso desmatamento e alteração da paisagem escandinava. Possuíam uma rede comercial em toda a Europa e eram treinados para as guerras e dominações. Este povo viveu em diversas colônias: na Vinlandia (atual Canadá), na Groelândia, na Noruega e nas ilhas do Norte e em cada habitat tiveram dificuldades de sobrevivência diferentes, entre elas: desmatamento, falta de alimentos, clima inóspito e resistência a alterações de padrões de vida que levavam na Europa.

Hoje, temos uma sociedade mundial, com algumas diferenças culturais regionais, porém todas muito próximas devido a globalização. Marjoritariamente o sistema econômico dita as regras de sobrevivência em um planeta em que nas últimas décadas tem sofrido um intenso aumento populacional. Dessa forma, desastres ambientais e sociais em uma comunidade geralmente afetam direta ou indiretamente o resto do mundo.

A disponibilidade de alimentos está intimamente ligada às técnicas de produção e ao crescimento populacional. Tanto os maias quanto os pascoenses sofreram nesse sentido, sendo essa uma das causas do colapso dessas civilizações. Nada muito diferente do que temos hoje em nossa sociedade contemporânea, globalizada, moderna, tecnológica...

O Brasil tem recentemente discutido sobre a política pública que legitima espaços de preservação ambiental, principalmente relacionada a agropecuária: O Código Florestal Brasileiro. O quadro do país se assemelha com o das civilizações históricas: intenso aumento da população, práticas agrícolas para a produção de alimentos e destruição do ambiente natural.

O que intensifica ainda mais os danos no Brasil, é o fato que muito da produção a agrícola é para a exportação. A soja cultivada no centro oeste do país é matéria prima para a ração animal produzida na Europa. A cana de açúcar do sudeste e parte do nordeste é a matéria prima principal para a produção de biocombustíveis. A pecuária no sul e centro oeste é para exportação também. Como conseqüência, temos a alto preço de produtos alimentícios e a crescente taxa de inflação.

Dessa forma, o país cresce economicamente abastecendo o mercado globalizado. Porém, internamente, a fome e a escassez de recursos e políticas públicas que protejam os recursos naturais e povo brasileiro deixam muito a desejar.

Podemos ainda citar, no caso brasileiro, a exploração insustentável (e muitas vezes ilegal) de recursos ambientais na floresta Amazônica e na Mata Atlântica como o palmito Jussara, recursos madeireiros acompanhado de intensos desmatamentos e tráfico de animais silvestres como fatores que podem levar ao colapso deste ecossistema e dos recursos citados.

A exploração do petróleo que já está com os dias contados, as crescentes disputas por água potável, entre outros, são exemplos de recursos que utilizamos hoje e que em breve sofreremos com a pouca disponibilidade.

Para mitigar esses problemas socioambientais citados, a ação governamental é indispensável. A fiscalização e monitoramento das áreas de risco é urgente. A alternativa social, criação de empregos para a comunidade local, capacitação de utilização de técnicas sustentáveis de exploração de recursos florestais, entre outros, são medidas que contribuiriam no controle dessa situação. Mas, essas ações devem ser acompanhada de uma política pública estadual e nacional viável e direta no combate a destruição de hábitats naturais. Soluções locais e criativas devem ser valorizadas.

Diante de todo esse contexto apresentado, podemos interpretar cada narrativa, ação e modo de visualizar os problemas enfrentados pelas civilizações históricas e contemporâneas. Joshua Meyrowitz, defende que podemos analisar as tecnologias materiais e simbólicas partindo de três narrativas. São elas:

a) Narrativa de poder;

b) Narrativa da busca pelo prazer e autorealização;

c) Narrativa dos padrões criados pelas mídias através dos quais elas próprias influenciam a sociedade.

Por exemplo: na cultura pascoenses, os clãs construíam grandes moais. Quanto maior a estátua mais poder e prazer tinha aquele rei ou clã (narrativa dos poderes e dos prazeres).

Outro exemplo é o povo viking na Groelândia: o povo estava sofrendo com o clima inóspito e a falta de alimento, porém não queriam abdicar da cultura tradicional européia (narrativa de padrões). Apesar de terem muito proximamente o povo inuit os vikings se consideravam povos superiores (narrativa de poder) não aceitando o intercambio de informações e produtos.

A narrativa de prazer e de padrões, estão intimamente ligadas a narrativa de poder. É necessário poder para a manutenção dos padrões e dos prazeres.

Independente da narrativa utilizada, o que concluímos é que as civilizações históricas muito sofreram com o desequilíbrio ambiental que se estendeu ao desequilíbrio social culminando no colapso civilizatório. As ações desses grupos infelizmente são muito parecidas com as explorações ainda feitas até hoje no mundo globalizado. Essas ações são sempre pautados pelo poder, prazer ou manutenção de padrões.

Resta decidir se iremos aprender com os povos históricos ou se seguiremos o mesmo caminho por eles trilhado...



Referencias utilizadas:



DIAMOND. Jared. Colapso. Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2005.

MEYROWITZ. Joshua. Power, Pleasure, Patterns: Intersecting Narratives of Media Influence. Journal of Communication, 58:641-63, 2008.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O consumo e o luxo


                        Por Isabela Romo

                Andando pelo centro da minha cidade natal semana passada comecei a notar a quantidade excessiva de pessoas nas lojas e quantos “eu quero” eu ouvia ao caminhar entre elas. E então comecei a pensar no quanto somos estimulados pela vontade de ter, e não apenas objetos materiais, mas também experiências de vida, emoções...
                E pensando nisso, me dei conta de como a moda é importante na vida das pessoas – é ela que define muitas vezes quais serão os objetos de desejo, qual será a dieta seguida, qual a religião que mais se adapta à vida moderna...  Todos querem um pouco do luxo estampado nas revistas e comerciais.
                Trata-se de um fenômeno singular e preocupante, uma vez que a partir do momento em que o consumo se torna o objetivo da realização humana, perde-se um enorme potencial criativo do ser humano, capaz de se realizar por tantas outras maneiras.
                O filósofo francês Gilles Lipovetsky tem trabalhado sobre a questão da moda e do luxo na sociedade moderna desde a década de 1980. Segundo ele, o luxo tem acompanhado a humanidade ao longo de sua história, e atualmente coexistem dois tipos acentuadamente distintos de luxo: o ostentatório, aquele que garante a continuidade das grandes grifes e de seus produtos exclusivos, e o emocional, que se constitui em resumo na busca por experiências e emoções novas e individuais, não como forma de exibição da riqueza dos que o procuram, mas sim pelo prazer da experiência única.
                Abaixo segue parte da entrevista concedida por este pensador à Terra Magazine em abril de 2008 (http://omarreco.blogspot.com/search?updated-max=2011-10-05T07%3A40%3A00-07%3A00&max-results=2 e http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2763094-EI6782,00.html), na qual são discutidas questões relacionadas às transformações sofridas e causadas pelo luxo na sociedade contemporânea.

Entrevista - Gilles Lipovetsky - parte I
Fernando Eichenberg
De Paris, França

Terra Magazine - O que o levou, como filósofo, a se interessar pelo luxo?
Gilles Lipovetsky -
Foi um pouco o acaso que me levou a estudar, pesquisar e formular hipóteses sobre o luxo. Escrevi um livro sobre a moda, O Império do Efêmero, e na seqüência tive muita demanda de empresas para conferências sobre a moda e o luxo. Chanel, Nina Ricci, Yves Saint-Laurent, Dior, Lancôme, Audi e outras grandes marcas francesas me convidavam para palestras e mesmo para dar cursos. Acabei escrevendo um pequeno livro, O Luxo Eterno. E agora preparo um novo ensaio sobre o luxo, abordando a questão da estética, pois antes havia estudado mais o ponto de vista do consumidor. Quero trabalhar sobre as lojas, os hotéis, os bares, spas, no sentido desse luxo na escala da globalização.
Um estudo de 2007 da Capgemini Consulting diz que o número de "ultra-ricos" aumenta de 11,3% por ano. Eles seriam 94.970 bilionários em busca do "ultraluxo" e de "investimentos de paixão", ou seja, o luxo de sensações. É o caso de quatro hedge funders da City de Londres que desejaram ser largados na selva amazônica apenas com um facão. Isso valida sua tese de que vivemos uma transição do luxo ostentatório para o intimista, para o "luxo emocional".
O planeta luxo não é mais unitário. Por muito tempo, na escala da história, o luxo foi relativamente homogêneo, exceto se fizermos a distinção entre o luxo profano e o religioso ¿ o luxo das igrejas e dos nobres, das cortes, dos castelos. Era o luxo dos materiais, do ouro, de obras de arte, de pedras preciosas, da seda. Hoje, o luxo se tornou acessível a uma parte importante da população, porque representa produtos fabricados de forma industrial, em grande quantidade, e de preço acessível, como cosméticos e perfumes. Mesmo no new luxury, como dizem os americanos, você tem os produtos de grife, de mass prestige, H&M com Karl Lagerfeld ou Viktor & Rolf. Nesse luxo que se tornou plural encontramos essa dicotomia. O luxo ostentatório não morre. Há numerosos "novos ricos", no Brasil, na Rússia, na China, que desejam exibir, mostrar. Mas há também um outro tipo de população que se distanciou disso. Sua riqueza é tanta que ela procura na busca pelo produto uma experiência, algo de excepcional, que a faça vibrar, não necessariamente para se exibir. Eles vivem em pequenos grupos, em círculos fechados, e a única coisa que lhes interessa no consumo é viver algo um pouco maluco. É o que chamo de "luxo emocional". Todo o luxo não vai se tornar emocional, mas acho que vai haver uma tensão. Nos EUA há o luxo de Beverly Hills e Los Angeles e o luxo clergyman, bastante estrito. No ultraluxo há essa dimensão experimental, mas também há mais serviços. Tom Ford, por exemplo, deixou a Gucci e abriu uma nova loja que fui visitar em Nova York, na Madison Avenue. Ele coloca a idéia do ultraluxo quando, em certas horas, abre sua loja apenas para os ultra-ricos. No futuro essa dimensão do serviço vai se desenvolver. Hoje o luxo investiu na produção de massa, vide Chanel, Guerlain, que se vê por tudo, no mundo inteiro. Mas o serviço está relacionado à pessoa. Esse é um vetor para o futuro. Há os produtos sob medida, como barcos e iates. A relação com a arte contemporânea também é fundamental. Os traders financeiros investem cada vez mais em arte contemporânea. A arte funciona um pouco hoje como um produto de luxo. Já era no passado, mas hoje é cada vez mais. Obra de arte há apenas uma, já perfumes N°5 da Chanel há milhões. Há também todo o sistema de coaching que organiza o tempo, a vida das pessoas. E também cada vez mais teremos objetos para casa ou bijuterias feitos sob medida. O ultraluxo será isso: uma personalização dos objetos e produtos e também dos serviços.
Os ultra-ricos compram hoje submarinos, como o Ocean Pearl, que pode ser acoplado ao iate, ou mesmo um modelo maior, o Phoenix 1000, de 454 m2, ao preço de U$ 56 milhões.
É interessante o que você diz, não sabia disso. Esse exemplo é extremamente interessante, porque há um outro, que é exatamente o mesmo, mas ao contrário, que são as viagens ao espaço. Vários bilionários já pagaram em torno de U$ 20 milhões por uma semana na estação espacial, em condições não tão confortáveis como nesses submarinos. Mas o seu exemplo é muito bom, porque, de um lado, é o espaço e, do outro, o fundo do mar. Nos dois casos se trata da mesma coisa. No mar há risco e uma experiência excepcional, porque o homem não foi feito para viver na água, e nem no ar. Nos dois casos é um tipo de sonho, de experiências de ultra-ricos. U$ 20 milhões por somente uma semana! E isso vai se desenvolver ainda mais. O patrão de Virgin, Richard Branson, tem um projeto de promover viagens ao espaço. E em breve haverá hotéis. Os ultra-ricos procuram experiências extremas, de silêncio, de beleza, de espetáculo e, em última análise, de sonhos. Eles alugam ilhas, compram a paz. Não querem se misturar. Querem uma experiência de serenidade, de quietude. Isso não é ostentação. São nessas dimensões experimentais e existenciais que os novos mercadores do luxo vão buscar novos produtos, porque o número de ultra-ricos aumenta e estamos apenas no começo. Por isso temos a explosão do mercado de arte. Obras de arte contemporânea, como as de Damien Hirst, são tão caras como certas pinturas de Rafael. É algo quase ilimitado. Há cada vez mais artistas, e os preços de mercado sobem artificialmente. Na arquitetura também, há ainda muitos espaços na terra, lugares excepcionais, em que se poderá chegar de helicóptero. Na Daslu, no Brasil, se pode chegar de helicóptero, embora não seja um lugar de ultra-ricos.
Você visitou a Daslu e a definiu como uma mistura de luxo com hipermercado. Disse que não se trata de uma grande obra de criação, mas de uma cópia, com cheiro de marketing.
As marcas de luxo estão na Daslu, não são acessíveis a todos, os preços são elevados, mas é verdade que há um lado hipermercado. É uma loja imensa, está situada em uma área não muito bonita, ao lado de uma favela. Não é como em Dubai, não é algo que enche os olhos. Em Dubai eles recorrem a arquitetos absolutamente geniais. Foi o que faltou para a Daslu. Eles fizeram um remake, um luxo hollywoodiano, um peplum. É uma arquitetura de novo rico. O luxo ostentatório não morreu. Nos malls eles utilizam muita luz, mármore, muito dourado. A Daslu não é assim, mas sua arquitetura não é criativa. Eles poderiam ter colocado mais espaços verdes, arrumar os espaços em torno, ter feito algo com as favelas. Isso teria sido um grande luxo. A Louis Vuitton se instalou nos Champs Elysées, não é falta de gosto, pois é uma das avenidas mais belas do mundo, é coerente. Daslu ao lado de uma favela é uma provocação. O verdadeiro luxo seria ter chamado Rem Koolhaas, Frank Gehry ou Renzo Piano para fazer uma verdadeira criação. Seria uma operação genial que daria sentido a esse comércio de luxo. Mas do que jeito que foi feito é um luxo cínico e ainda estampado. Na praça Vendôme é algo normal, mas ao lado de uma favela é algo chocante. O luxo deve ser criativo. Veja as grandes maisons que investiram em Tóquio, por exemplo, as construções Prada, Cartier ou Louis Vuitton. Eles contrataram arquitetos geniais. E a arquitetura é um grande luxo hoje. A hotelaria também vai representar uma possibilidade de grande luxo, com quartos a U$ 20 mil a diária.
Em Paris, no hotel La Réserve, na praça Trocadéro, os apartamentos custam 30 mil euros por semana. Os clientes, em sua maioria, só saem de lá para ir ao restaurante.
É verdade, muitos ultra-ricos preferem permanecer incógnitos. Teremos um planeta-luxo cada vez mais presente, com grifes cada vez mais numerosas e planetárias. Há uma "luxurização" do mercado em escala mundial. Por U$ 50 você pode ter produtos Louis Vuitton - um chaveiro por U$ 100, por exemplo ¿ e, na outra ponta, há as diárias de hotel a U$ 20 mil. É uma nova galáxia plural do luxo. A classe média compra produtos de luxo ou deseja experiências de luxo, seja pelo gosto de um sonho, de um prazer, de algo excepcional e ocasional. O ultraluxo entrará cada vez mais nessa tendência.
É o caso dos sapatos Roger Vivier, entre 15 mil e 50 mil euros o par, ou da mala Hermès, de 145 mil euros. A Hermès concebeu mesmo um helicóptero de luxo, desenhado por Gabriele Pezzini, à venda por 5 milhões de euros.
Você viu as novas vestes de homem em pele de crocodilo? Entre 60-70 mil euros. O gênio do luxo em termos comerciais é que consegue lucrar em todos os setores. Tradicionalmente, se dizia que se a marca é democratizada e banalizada ela morre. Mas não é isso o que ocorre. No caso dos automóveis é a mesma coisa. Penso que vamos ter um tipo de diferenciação no universo das marcas, e aquelas que obtiverem sucesso serão as que terão uma forte notoriedade mundial, mas, ao mesmo tempo, um setor de ultraluxo. As marcas querem se tornar globais, o que antes não era o caso. Veja o exemplo da Chanel. Em 1921, criou o N°5, mas é um perfume, o essencial eram as roupas. Armani tem os relógios, os óculos, os acessórios, as bolsas. Na torre Armani de Tóquio há uma boate, um café, um restaurante, um spa. É um novo conceito, chamado flagship store, como a loja Louis Vuitton na avenida de Champs Elysées, um enorme prédio no qual há exposições de arte, restaurante, livraria. Você entra em um universo. Na torre Chanel de Tóquio há um restaurante do chef Alain Ducasse. No futuro as marcas terão uma amostra extremamente ampla de seus artigos, que já inclui os relógios, a joalheria, o prêt-à-porter e, talvez, também a hotelaria. O museu do Louvre vendeu seu nome nos Emirados Árabes. O que impedirá no futuro a Chanel de investir na hotelaria e em spas como locais de luxo? O spa é o futuro, porque você atinge o corpo, o universo da beleza. Quando você está em um spa não é para se mostrar, mas para se sentir melhor. É um mercado enorme: o corpo, o rejuvenescimento, a beleza, as curas. É ilimitado. Todos os ultra-ricos vão envelhecer, terão reumatismos, as mulheres serão menos belas. O luxo dos spas é experimental, não é como os dos castelos ou dos relógios caros. É um mercado constantemente renovável. Uma vez que se tem um relógio de 30 mil euros, pode-se ter dois, mas ter mais não tem sentido. Mas o spa você freqüenta várias vezes no ano.
Você já disse que chegará o dia em que ter rugas se tornará algo quase obsceno. O Brasil é um exemplo emblemático da expansão da cirurgia estética. Como você vê esse tipo de consumo?
As pessoas estão cada vez mais centradas na sua existência. Vive-se cada vez mais tempo. Hoje o indivíduo é mais importante do que a classe social. Isso é novo. Antes, a importância era a identidade social. Se você era nobre, era preciso provar, mostrar. Hoje, você pode mostrar que é rico, mas o mais importante é mostrar que você é jovem, que é uma individualidade. A valorização da individualidade é mais importante do que a valorização do grupo social ao qual se pertence, inclusive no Brasil. Mas no Brasil há essa obsessão do corpo, as clínicas de cirurgia estética. O mercado da beleza não tem fim. Dois grandes tabus caíram na idade hipermoderna do luxo. O primeiro é o tabu das classes populares. Antes, nas camadas pobres nem se olhava para o luxo. As pessoas queriam comer e viver. Hoje, nas favelas, as pessoas conhecem as grifes. Os jovens, principalmente, querem as marcas de luxo. Querem os carros Mercedes, BMW, Maserati. As mulheres querem roupas de grife. Vêem isso na publicidade, na tevê, no cinema. Não se diz mais "isso é para os ricos". A aspiração ao luxo se tornou universal. O segundo tabu que caiu é o do corpo. A publicidade de maquiagem começou nos anos 1920. Hoje, as meninas de 10-12 anos já se maquiam. Não há mais tabus, da infância à velhice, para melhorar sua beleza. E, como último recurso, existe a cirurgia estética. A queda desses dois tabus abre um boulevard para o luxo. O luxo é um mercado que prospera não por causa dos árabes, dos russos, dos brasileiros ou os chineses, mas também porque, potencialmente, toda a população quer ter sua parte nisso. Antes, era um mundo limitado. Hoje, o luxo é infinito.
Para você, a sociedade hiperindividualista coexiste com um mal-estar da existência. Há o estresse, a depressão, preocupações diversas com o trabalho, a família. Existe hoje um imperativo da felicidade, quase como uma tirania?
Há hoje a tirania do corpo, da beleza e da juventude. Não há mais a tirania da moda. Tirania da felicidade me incomoda como expressão, pois, apesar de tudo, a felicidade é uma aspiração dos homens, reforçada pela modernidade. O ideal da felicidade não é apenas tirânico, pois permite as coisas avançarem. Em nome da felicidade as pessoas mudaram seu modo de vida. Antes, não se divorciava. A felicidade não vinha em primeiro lugar, mas a família. Hoje as pessoas se divorciam se estão infelizes no casamento, têm o direito de refazer suas vidas. Nem tudo é tirânico na aspiração à felicidade. Mas o paradoxo de nossa época de hiperconsumo é o de que todos os sinais de felicidade estão em aberto. Em breve, a grande maioria das pessoas viverá até os 100 anos de idade; as mulheres podem controlar sua fecundidade e ocupam novos espaços; o nível de vida aumenta; a sexualidade é livre. Há sinais positivos em relação à saúde, à sexualidade, às liberdades. Mas o que vemos é que isso não se acompanha de uma joie de vivre manifesta. Há um paradoxo enorme: a sociedade tem os sinais de felicidade, mas tudo se passa como se isso não fosse sentido. Há a depressão, a ansiedade, a infelicidade pessoal. Estudos feitos por ingleses e americanos mostram nossa surpreendente situação. Toda a civilização moderna leva ao crescimento, ao aumento do poder aquisitivo. A grande questão teórica é: a riqueza e o bem-estar material trazem mais felicidade? 
Qual seria a resposta?
Em um primeiro nível, a resposta é "sim". Globalmente, nos países ricos se é mais feliz que nas regiões miseráveis da África, onde as pessoas morrem de fome, não estudam, não têm nenhuma proteção. Em relação à pobreza, o mundo do luxo, do hiperconsumo, da mídia oferece uma existência mais satisfatória. Mas numerosas pesquisas de opinião mostram que, a partir de um certo nível, o aumento do poder aquisitivo não muda nada, não há a sensação de uma felicidade maior. Esse é o dilema. O que explica que nessas sociedades há muitas pessoas que buscam outras coisas, o new age, novas espiritualidades, a benevolência. Veja o caso interessante de Bill Gates, um ultra-rico. Ele decidiu deixar o comando de sua empresa para se dedicar a sua fundação. Não estamos aqui no luxo, na busca de riqueza material, mas em uma busca de sentido da existência. A sociedade hiperindividualista se acompanha de um frenesi consumista, mas, provavelmente ainda mais nas classes médias do que entre os mais ricos, que com freqüência continuam a trabalhar. Brad Pitt, por exemplo, se engajou a fundo pela reconstrução de Nova Orléans. Por muito tempo, o mundo das estrelas era as mansões, as piscinas, as viagens. Brad Pitt e Bill Gates ainda se hospedam nos grandes hotéis, obviamente, mas o luxo não é mais o objetivo, não é o que pode dar sentido. Essa experiência altruísta dá o prazer de se sentir útil. E isso o mercado e o consumo não pode lhe dar. Você vai na Daslu, compra um terno Lanvin, é algo para você. Mas se você quer comprar a experiência de dar felicidade, como fazer? Não são as grifes que lhe darão isso. Em uma sociedade hiperindividualista como a nossa, em que os grandes projetos políticos são difusos e as grandes religiões não controlam mais as consciências, um certo número de pessoas, principalmente os ultra-ricos e ultracélebres, buscam outras coisas. O homem é consumidor. Mas todo o problema é: ele é apenas um consumidor? Eu não creio. Esse é o limite do luxo. O luxo dá um gozo de consumo, de estética, de beleza, é um prazer. Mas ele não pode lhe dar o sentimento de ter vencido, de progredir. Veja Steven Spielberg. Ele não é pobre. Por que faz um filme todos os anos? O que ele busca? Ganhar dinheiro? Ele não precisa mais. A glória? Sim, um pouco, ele já a tem, mas mesmo assim. Mas, provavelmente, é uma questão de angústia. A angústia da morte. Quando não se faz mais nada, quer dizer que acabou. Todo criador sabe disso. Para mim, esse é o grande luxo. Quando se pode continuar a criar, não forçosamente na arte, mas fazer coisas, ter energia para inventar o futuro, isso é o luxo extremo, porque é o luxo da existência. Penso que é o caso de Spielberg como o de Bill Gates. Eles desejam se superar, fazer sempre outra coisa, e melhor. Clint Eastwood é uma superestrela e não pára de fazer filmes. Isso é belo. Estamos longe do mercado do luxo, mas na minha opinião isso é o verdadeiro luxo: a possibilidade, até o final de seus dias, de inventar, de criar. Isso não traz forçosamente a felicidade, mas você escapa da angústia, da angústia do vazio, da angústia da morte. Acho que devemos tirar lições disso para o futuro do século 21. Devemos preparar os homens para isso, a ser não somente consumidores, mas artesãos e criadores de sua própria existência. Isso é algo magnífico e de uma grande beleza. Todos esses grandes criadores no cinema, na literatura, na música, nas empresas. Essa força de recriação de si mesmo. Não existem apenas as grifes no mundo.