quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Reflexões sobre a fotografia e a sociedade

Por Alberto Kirilauskas

O vocábulo fotografia significa escrever com luz. Porém é necessário compreender que uma fotografia é mais do que a escrita com luz. A palavra que se apresenta simples envolve diversos agentes sociais: o fotografo, o fotografado (o objeto) e a pessoa que visualiza o trabalho final. Cada um inserirá elementos para compor ou analisar a fotografia, assim, ela vêm carregada de elementos passíveis de interpretações distintas.
Fotografia: Sebastião Salgado
Sua importância deve-se tanto a ela em si, como uma tecnologia capaz de carregar em si características de uma sociedade num determinado período da história, assim como ela é base de outras mídias. Para MACHADO
“a fotografia é a base tecnológica, conceitual e ideológica de todas as mídias contemporâneas e, por essa razão, compreendê-la, defini-la, é um pouco também compreender e definir as estratégias semióticas, os modelos de construção e percepção, as estruturas de sustentação de toda a produção contemporânea de signos visuais e auditivos, sobretudo daquela que se faz através de mediação técnica”. (MACHADO, Arlindo apud FOTO O E I)

A imagem que pudesse ser registrada de uma forma mais precisa, através de aparelhos, foi uma busca constante por cientistas de distintas épocas, como o os estudos astronômicos árabes. No final do século XIII e início do XIX, já reconhecendo as propriedades dos sais de prata, buscava-se uma forma de manter as imagens formadas, uma vez que elas se deterioravam em contato com a luz, devido a contínua reação desses sais. Por todo o interesse dos cientistas houve uma busca simultânea em diversas partes do mundo, onde em 1839[1] concretizou-se no processo de daguerreotipia[2]. Esse interesse pela objetividade está diretamente relacionado com o desenvolvimento da ciência moderna, onde há uma predomínio da razão no mundo. A partir do desenvolvimento com base científica a fotografia desembocou no rio das artes.
“No campo das artes, as imagens científicas foram apropriadas pelas vanguardas artísticas européias, principalmente pelas especificidades de imagens que produziam, e ganharam novos significados fora da objetividade científica”. (TACCA, 2005 p.11)
Onde no início existiram críticas, como a do poeta Baudelaire, dizendo que era uma técnica que não permitia incluir no seu produto final a subjetividade humana TACCA (2005). É possível dizer que nos dias atuais há pontos de vista semelhantes ao do Baudelaire, uma vez que há críticas referentes ao uso de um equipamento para gerar arte, onde o poder maior é do equipamento.

As cameras compactas, não como as conhecemos hoje, datam do final do século XIX (KODAK), esse fato permitiu um grande avanço no que tange a mobilidade dos fotógrafos. Uma grande revolução aconteceu com a popularização das câmeras digitais que ocorreu no final do século XX e início do século XXI. Onde atualmente há diversos dispositivos que fotografam mesmo não tendo a fotografia como seu central foco.


A fotografia, com seu início datado do mesmo período do início da modernidade, possui relações – principalmente - com a nova relação com o tempo. Se a modernidade criou uma nova relação com o espaço e o tempo, como descrito por BAUMAN (2001 p.15): “a modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si”. Destarte o tempo é um elemento relevante nas análises dos diversos mundos que existiram e aqueles que estão por vir. O tempo do passado era sólido, as coisas não se dissolviam rapidamente, incluíam-se as relações sociais e também as físicas. Existiam grandes fábricas que estavam impossibilitadas de se mover no espaço, pois isso demoraria muito tempo. Em contraponto atualmente pode-se observar um tempo veloz, é o mundo líquido, que flui rapidamente e não possui mais formas duradouras físicas, onde há pouca fixação de fábricas, uma vez que elas não mantém laços com o local, mas sim com as possibilidades de retorno existentes ali, e também a fluidez incide sobre o comportamento humano, por exemplo, as relações entre seres humanos estão mais fugazes, elas se rompem sempre que existe uma nova possibilidade mais interessante.
Fotografia: João Ripper
Somado ao aspecto objetivo do tempo, que são os deslocamentos, os fluxos de informação etc. há a subjetividade do tempo, pois o tempo também está relacionado diretamente com a vida e morte das pessoas. E sobre esta subjetividade a fotografia age de forma intensa, uma vez que são lembranças que podem ser guardadas, a priori, ao longo dos anos.
Disdéri (apud TACCA, 2005 p.10) relata
“o árduo trabalho que tinha ao fotografar mortos na década de cinqüenta do século XIX. Como a fotografia era ainda muito recente muitas pessoas não tinham retratos de seus familiares e para perpetuar uma lembrança, solicitavam o trabalho de um fotógrafo que esperava a musculatura relaxar depois de horas e, assim, colocava o cadáver em posição normal, em uma mesa escrevendo ou outra situação, e aquela imagem perpetuava uma memória construída e cultuada de um morto vivo presente depois em um álbum de família. A implantação de memórias através da imagem não é somente uma prática das imagens técnicas, mas sua aceitação como realidade transformou nosso imaginário”. (TACCA, 2005 p.10) Grifo meu.
Silva (2010 p.34) completa:
“Cada tecnologia foi utilizada dentro de uma perspectiva própria, e assim coube à fotografia determinar a práxis da imagem. Dos retratos posados na daguerreotípia ao “instante decisivo” no fotojornalismo, passando pelo uso nas ciências e nas artes, a tecnologia foi sendo crescentemente enraizada, instituindo não só um novo hábito de imagens, mas também rituais sociais que passaram a encontrar na fotografia um reforço para a sua significação.”
A situação relatada por Disdéri demonstra como uma técnica interviu na forma de agir das pessoas da época e consequentemente ela alterou a maneira de se pensar o tempo. Sobre isso Tacca (2005 p.12) discorre: “A verdade imagética surgida na descoberta da fotografia e depois do cinema colocou a humanidade diante de uma nova representação “por delegação”, pensada até mesmo com a própria realidade”. No início a imagem fotográfica era pensada como somente uma apresentação da realidade, como descrito por Tacca (2005 p.12) “uma verdade imagética realista, dotada de uma aura de pureza e neutralidade, que aparentemente não interpunha nada entre ela e o leitor, conduziu as primeiras impressões e conceitos”, todavia, hoje é claramente perceptível que dentro da fotografia, ou das técnicas que se originaram a partir dela, se inserem olhares, visões e objetivos, tirando a suposta neutralidade existente no inicio do desenvolvimento dessa técnica.
Kossoy (2006 p.158) corrobora dizendo que:
“(...) é ilusão pensar que há uma “transparência” absoluta na transposição de dimensões que ocorre entre o modelo e sua representação. Tal objetividade é um mito. Toda imagem é produzida segundo um processo de criação/construção que engloba componentes materiais (relativos à tecnologia empregada) e imateriais *relativos às intenções do fotógrafo, ao seu repertório cultural, bagagem artística, convicções políticas, preconceitos internalizados, postura ideológica, enfim)”.
Destarte pode-se dizer que a fotografia é um recorte de uma imagem (espaço) e um recorte do tempo, assim a composição da imagem será constituída dentro dessas restrições.[3] E essas restrições estão relacionadas ao olhar do fotógrafo, uma vez que ele fará o recorte que desejar de acordo com o seu senso estético, ideológico, ou, como é o caso de fotógrafos contratados para um fim específico, de acordo com a orientação da editora ou qualquer outro encarregado.
Fotografia: João Ripper

Se por um lado pode-se ver o recorte no tempo e no espaço como uma restrição, por outro essa pode ser uma característica singular da fotografia que orienta a observação para os elementos que dão profundidade. Sobre isso discorre Kossoy (2006 p. 158):
“A fotografia é única, singular, ela é em si o começo e o fim, um ciclo completo sem antes, nem depois; seu roteiro se dá na profundidade, remete permanentemente ao passado: ao fato externo e à sua própria gênese. A imagem fotográfica é a face visível de um sistema que devemos desmontar a fim de compreender a sua construção, seus códigos, suas ambiguidades; tal desmontagem passa pela sua produção e o eventual uso que dela se fez: político, jornalístico, comercial, policial, científico etc.”
Faz-se necessário ressaltar que a fotografia, mesmo com os apontamentos de suas limitações feito acima, ainda permanece sendo um registro, e como registro ela fornece elementos que podem orientar um pesquisador, ou um observador que objetiva ir mais próximo possível daquela realidade ali representada. Nesse sentido Kossoy (2006 p. 159) diz que “(...) a imagem fotográfica fornece pistas e informações precisas acerca da aparência do tema registrando; possibilidade ímpar, à época, enquanto processo de conhecimento e instrumento de preservação da memória”
Video: Sebastião Salgado fala sobre a fotografia e a sociedade.

Os elementos de profundidade da fotografia permite fazer alguns apontamentos sobre a realidade. Atualmente observa-se uma popularização da fotografia devido a tecnologia digital. Aqui se pode observar tanto em relação ao fotojornalismo quanto a fotografia de família. No primeiro caso, o fotojornalismo está relacionado ao jornalismo atual, que é muito mais informativo do que reflexivo.

Essa orientação jornalística necessita de elementos visuais para que não se despender tempo com análises profundas, é sobre essa lógica que as filmagens e fotografias ganham destaque. Um conjunto de imagens é apresentado como se fosse a realidade (aqui cabe a crítica feita em relação a essa ingenuidade de acreditar que a imagem é neutra), onde o aumento da cobertura por parte dos fotojornalistas corrobora para se pensar dessa forma.
Sobre a fotografia de família é possível discorrer sobre a aparência como objeto central, sufocando a lembrança. O que ganha o primeiro plano é a divulgação do local onde foi ou do novo visual de cada pessoa, diferentemente do passado, onde o mais relevante era a lembrança da viagem, da festa ou qualquer outro convívio social.

Em ambos os casos o tempo ainda é o elemento base. Se no fotojornalismo isso se apresenta mais claro, pois as notícias devem estar diretamente ligadas com o presente extremante próximo, tendendo à instantaneidade, na fotografia de família esse elemento está sobre a divulgação, pois é fato que a aparência ganhou o primeiro, mas ela não se sustenta, o que sustentará a lógica do mundo veloz é o conjunto das aparências amplamente divulgado – aparência em foco – e constantemente exposto. Se não há continuidade da exposição, demonstrando uma vida frenética, a aparência se torna rapidamente obsoleta. Assim, a fotografia da forma que é utilizada por muitos, contribui para se ratificar o mundo veloz.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FUJIFILM. História da fotografia. Disponível em Acesso em Out. 11
KODAK. História da fotografia. Disponível em Acesso em Out. 11
LEITE, M. L. M. As transformações da imagem fotográfica. Disponível em
TACCA, Fernando de. Imagem fotográfica: aparelho, representação e significação. Psicol. Soc.[online]. 2005, vol.17, n.3, pp. 9-17. ISSN 0102-7182.
SILVA, W. S. Foto 0 / Foto 1. Tese, 2010. Disponível em Acesso em Out. 11.
[1] Em 1841 foi patenteado na Inglaterra um processo denominado de Talbotipia em referência ao inglês FOX – TALBOT que em 1835 desenvolveu uma técnica de registro da imagem (KODAK, FUJIFILM)
[2] Processo de registro de imagem que tinha um longo tempo de exposição, era um equipamento relativamente pesado, e o produto gerado possuía pouca durabilidade em condições normais.
[3] Diferentemente do vídeo ao que concerne a linha do tempo, uma vez este tem - mesmo dentro de uma limitação temporal devido ao tempo máximo de gravação - maior autonomia para criar uma linha no tempo.

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