quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor

Por Marina Peres Barbosa


A Psicologia precisa se engajar na análise e no encaminhamento de soluções para os problemas ambientais, pois estes são, de fato, problemas humano-ambientais. Para contribuir com esse propósito, um breve histórico da Psicologia Ambiental é apresentado, com destaque para as implicações teóricas e práticas de suas origens, internas e externas à Psicologia, tendo como
pano de fundo a crise ambiental global. Descrevem-se alguns desdobramentos dessas fontes no contexto brasileiro, com o intuito de estimular uma crescente integração de esforços na área de estudo das inter-relações pessoa-ambiente. Aspectos teóricos e metodológicos são analisados, principalmente em vista da recente tendência internacional verificada na Psicologia Ambiental de enfatizar a determinação humana e social da chamada crise ambiental.

Psicologia e problemas ambientais, um paradoxo?

Todos nós temos tido contato com informações sobre os graves problemas ambientais que nosso mundo enfrenta atualmente, se não por interesse profissional, possivelmente porque a veiculação dos
mesmos pela mídia causa repercussão social e garante audiência.
Assim, tentarei não repetir obviedades, apenas enfocar alguns pontos mais importantes para os fins deste trabalho.
O crescimento populacional tem sido objeto de inúmeras análises, sendo um dos eixos centrais da chamada crise ambiental. Vale destacar aqui o fato de que durante 99,9% da história da humanidade fomos menos de 10 milhões de pessoas habitando o planeta; só muito recentemente nos aproximamos dos quase 6 bilhões atuais. Se, por um lado, tal fato ironicamente demonstra nosso crescente sucesso como espécie reprodutora, por outro sugere nosso total despreparo para lidar com
100.000 novos vizinhos (total de nascimentos menos total de mortes), em média, por dia! Ou uma nova Argentina por ano! A tendência da população mundial está sendo dobrar a cada 35 anos aproximadamente ou, dito de outra forma, quadruplicar a cada 70 anos (Veitch & Arkkelin, 1995, p. 230). Traduzindo para o cotidiano de nossas vidas, isso significa, por exemplo, que o mundo que um avô tem em mente ao contar suas histórias (ou realizar todas as suas atividades como ser
humano) não tem quase nada em comum com o mundo das aspirações de seus netos. João e Maria continuam a se perder na floresta, e não no estacionamento de um shopping center.
Se os números acima são assustadores per se, suas implicações relativas às diferentes regiões do globo são ainda mais preocupantes. Segundo dados da Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (Gonçalves, 1996), os países em desenvolvimento são responsáveis por 95% do crescimento demográfico mundial, sofrendo muito mais suas conseqüências sociais, econômicas e ambientais. A população do continente africano, por exemplo, cresce a uma taxa média de 2,9% ao ano, enquanto que a média na Europa é de 0,25% (negativa, portanto!), o que irá acentuar ainda mais as diferenças de qualidade de vida entre as duas regiões.
Nossa América Latina cresce, em média, 2,1% ao ano, mas nossos problemas se agravam ainda mais por termos o índice de urbanização mais elevado do planeta (72%). O chamado êxodo rural transferiu do
campo para as periferias miseráveis de nossas grandes cidades um contingente populacional deslocado tanto espacial, como temporalmente; tanto social e economica, como ideologicamente. O modelo hegemônico de sociedade baseado no consumo de grande escala, desenvolvimento
tecnológico e exploração dos recursos naturais provoca profundos desequilíbrios em micro e mega escala. América do Norte e Europa, com menos de 12% da população mundial, consomem mais
de 42% de toda a energia produzida no mundo, sendo responsáveis por cerca de três quartos do efeito estufa antropogênico (Altvater, 1995).
O impasse de nossa civilização frente à crise ambiental tem sido objeto da atenção de autores e instituições científicamente sérios e respeitados, pois negar a existência desses problemas não irá melhorar, ou mesmo garantir, a qualidade de vida de nossos netos. Lester Brown (1994), presidente do Worldwatch Institute, defende que a saída para o problema do crescimento demográfico e degradação dos sistemas naturais envolve planejamento familiar, melhoria do status da mulher
e adoção de estratégias de desenvolvimento que explicitamente incluam a redução da pobreza. Cita ainda conclusões de instituições científicas que não deixam dúvidas sobre a seriedade da situação:
No início de 1992, a Academia de Ciências dos Estados Unidos e a Sociedade Real de Londres apresentaram um documento conjunto, sem precedente, comunicando que os avanços na tecnologia e na ciência não mais poderiam ser considerados como forma de evitar quer a degradação ambiental irreversível, quer a permanência da pobreza para a maior parte da humanidade. Mais tarde, no mesmo
ano, a União de Cientistas (Union of Concerned Scientists) distribuiu o documento Os cientistas do mundo advertem a humanidade, assinado por cerca de 1600 destacados cientistas de todo o mundo,
incluindo 102 ganhadores do Prêmio Nobel. Esse documento afirma que a continuação das atividades humanas destrutivas “pode alterar o mundo vivo, de maneira que este será incapaz de sustentar a vida na forma como a conhecemos”. Além disso os cientistas advertiram que “é necessário que mudemos radicalmente a forma de nos relacionarmos com a terra e a vida nela existente, se quisermos evitar uma enorme miséria humana, e se não quisermos ver mutilado o nosso lar global neste planeta”. (p. 244)
Norman Myers, um dos mais respeitados cientistas do mundo na área ambiental (Segurança ambiental, 1995), alerta para as profundas mudanças que essa situação irá provocar em nossos estilos de vida.
Ele avisa ainda que tais mudanças serão tão amplas que causarão “alterações sísmicas em nossos sistemas de valores e paradigmas sociais” (p. 54); para ele as mudanças virão, queiramos ou não, quer sejam planejadas ou não.
Observa-se em praticamente todos os lugares do mundo uma preocupação social, independentemente de seus tons políticos e ideológicos, pelos problemas ambientais. Se lembrarmos também que são os comportamentos das pessoas que agravam (e provocam) os “problemas ambientais”, e que as alterações ambientais, por sua vez, irão interferir na qualidade de vida dessas mesmas pessoas, concluiremos que esses problemas são, na verdade, problemas da humanidade (Corraliza, 1997, p. 27), como apontado no início deste trabalho. Apesar de importantes aproximações entre disciplinas voltadas para a questão ambiental (por exemplo, Ecologia e Economia), a Psicologia precisa fazer parte desse esforço, pela necessidade de se compreender o ser humano frente ao ambiente. Para a Psicologia os problemas ambientais oferecem dupla oportunidade: desenvolver teórica e cientificamente conhecimentos sobre a forma de agir das pessoas, e influir nos rumos da sociedade em um de seus aspectos mais fundamentais (Corraliza, 1997).
A Psicologia recebe muitas perguntas sobre o assunto (ainda que poucas se concretizem formalmente), mas tem tido dificuldade em respondê-las de modo conclusivo e aplicável à realidade ampla da crise humano-ambiental ou à orientação de intervenções sócioambientais específicas (Pol, 1993; Stern & Oskamp, 1987). Convém lembrar que a Psicologia, como campo formal de atividade científica, esteve presente apenas na porção mais recente da história da
humanidade. Ela está no cenário mundial há pouco mais de um século e, portanto, apareceu depois que a população mundial já ultrapassara o primeiro bilhão. Se considerarmos também que a Psicologia, enquanto prática profissional estabelecida, está restrita essencialmente às zonas urbanas do planeta, talvez possamos concluir que nossa disciplina parece mais ser parte do cenário da crise ambiental do que um agente de sua solução.

Fragmento extraído de Psicologia Ambiental: a busca de um ambiente melhor. José Q. Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Disponível em : http://www.scielo.br/pdf/epsic/v2n2/a11v02n2.pdf.

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