domingo, 4 de dezembro de 2011

POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO AMBIENTAL

Por Marina Peres Barbosa


A consolidação de uma sociedade baseada na produção e aplicação intensiva do conhecimento é uma das principais tendências para o século XXI. As novas tecnologias de informação e comunicação, os avanços da biotecnologia, os novos formatos de gerenciamento público e privado, as combinações de várias mídias como novas formas de entretenimento vêm transformando profundamente as nossas maneiras de viver .
Os desafios colocados pelas mudanças sócio - econômicas e culturais contemporâneas trazem a exigência de se pensar o radicalmente novo e também a necessidade de avaliar as experiências vividas de modo a combinar permanências e inovações na elaboração e aplicação das políticas de gestão ambiental.



Interpretações sobre o movimento ambientalista e as políticas ambientais no Brasil

No Brasil, a evolução do movimento ambientalista foi analisada por diversos autores (VIOLA, 1987 a e 1987 b ; ANTUNIASSI, 1989;VIOLA e LEIS, 1992; SILVA (1993); JACOBI, 2000 e Lúcia FERREIRA, 1996 b, 1997,1998 e 2001; e TAVOLARO (1998)
entre outros). Uma análise pioneira das políticas ambientais foi o trabalho de MONTEIRO
(1981), que fez uma reportagem histórica da política ambiental do país de 1960 a 1980.
GUIMARÃES (1986) analisou detalhadamente a institucionalização da Secretaria Especial
do Meio Ambiente (SEMA) do governo federal. Outros trabalhos procuraram tratar da evolução de órgãos estaduais de meio ambiente; ver, por exemplo, CARVALHO (1987),
FERREIRA, (1992). A realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, em 1992, estimulou diversas reflexões sobre o tema
(CIMA, 1991; HOGAN E VIEIRA, 1992; entre outros).
Destaque-se a caracterização da evolução do movimento ambientalista e das políticas ambientais realizada por Eduardo Viola. Sugere-se que há pelo menos dois momentos na análise de Eduardo Viola: o primeiro, quando ele, em artigo para a Revista Brasileira de Ciências Sociais (VIOLA, 1987a), fez uma periodização da história do movimento ecológico no Brasil, distinguindo três fases:
1ª - ambientalista, de 1974-1981; 2ª - de transição , de 1982-1985 e a 3ª - ecopolítica, de
1986 em diante, e, um segundo momento, em que ele, junto com Hector Leis (VIOLA e
LEIS,1992), disseca a evolução das políticas ambientais no Brasil e amplia a interpretação do seu trabalho de 1987, mostrando a evolução do ambientalismo brasileiro como uma passagem de um bissetorialismo preservacionista a um multissetorialismo orientado para o
desenvolvimento sustentável.
Em 1987,VIOLA buscou uma descrição cronológica da evolução do ambientalismo, ressaltando o aspecto da participação na esfera política institucionalizada como um grande eixo explicativo, passando pelos aspectos organizacionais do movimento e realizando uma classificação das posições políticas em disputa no ambientalismo.
O trabalho de 1992 (VIOLA e LEIS, 1992), realizado em conjunto com Héctor Leis, publicado em livro que buscava tornar públicas várias reflexões, a partir das ciências sociais, que vinham amadurecendo em diversos ambientes acadêmicos, mas, em especial, no Grupo de Trabalho “Ecologia, Política e Sociedade” da ANPOCS – Associação Nacional de Pós Graduação em Ciências Sociais, tem sob alguns aspectos uma relação de continuidade com o de 1987, mas apresenta uma inovação conceitual importante: a leitura do movimento ambientalista a partir da dinâmica da sociedade em relação à questão ambiental. Essa leitura ilumina posições do movimento ambientalista que, no artigo de 1987, não estavam explícitas; assim, questões como as relações do ambientalismo com os órgãos do estado e com o empresariado passam a fazer parte do estudo e é feita uma avaliação das transformações na ordem internacional que marcam a emergência do movimento ambientalista global.
Se, no artigo de 1987, a influência internacional é vista a partir de uma literatura que ainda tinha o Estado nacional como referencial maior da política; em 1992, a questão internacional passa a ser vista dentro do processo de globalização (erosão dos estados nacionais e emergência dos problemas socioambientais globais) e da construção do conceito de desenvolvimento sustentável (VIOLA e LEIS, 1992, p. 74).
A periodização para análise do ambientalismo muda e os autores fazem o seguinte recorte cronológico: de 1971 a 1985, que caracterizam como do ambientalismo bissetorial com ênfase na proteção ambiental e de 1986 a 1991, do ambientalismo multissetorial e de transição para o desenvolvimento sustentável.
É interessante chamar a atenção que a caracterização do ambientalismo como movimento bissetorial faz com que os autores não precisem exatamente qual o conceito do movimento
social estão usando e com isso, aparentemente, perde-se o foco daqueles atores que, da sociedade civil, vieram se constituindo com uma identidade coletiva própria, com adversários definidos e um campo de ação e disputa estabelecido, pelo menos no sentido que TOURAINE (1985) dá ao conceito de movimento social. Agora ambientalismo inclui as agências estatais e suas burocracias e as entidades da sociedade civil. Assim a tensão política entre Estado, através de suas agências, e sociedade é lida dentro de uma lógica “especular” em que a trajetória das entidades civis é minimizada.
Ao analisar a emergência do ambientalismo multissetorial e a transição para o desenvolvimento sustentável no período (1986 – 1991), os autores ampliam ainda mais o
universo ambientalista: a partir da 2ª metade da década de 80 entram, além das associações
e grupos comunitários ambientalistas e as agências estatais ambientais presentes na 1ª fase,
as organizações do sócio-ambientalismo, grupos e instituições científicas, um reduzido setor de gerentes e do empresariado preocupados com a sustentabilidade ambiental. Para cada um desses setores, os autores descrevem suas características e ações (VIOLA e LEIS, 1992, p. 85). Aqui, a idéia de um campo maior que movimento social é ainda mais clara. O conceito de movimento social esvazia-se .
Não se trata, evidentemente, de negar em bloco a caracterização feita por Viola e Leis, pelo
contrário, muito das percepções dos autores parecem radiografar a dinâmica social de maneira bastante adequada, mas o que se quer ressaltar aqui e, num certo sentido, problematizar, é que o abandono de uma caracterização mais rigorosa do ambientalismo enquanto movimento social faz a análise resvalar para uma homogeneização dos atores (estatais e não estatais, comunitários e empresariais) que obscurece os campos de disputa e os diversos discursos presentes no espaço público.
Lúcia da Costa Ferreira (FERREIRA, Lúcia, 1996 b,1997, 1998, 2001) tem analisado, sob outra ótica, o processo complexo da emergência do ambientalismo brasileiro. Para a autora:
“... o ambientalismo não padeceria apenas de uma crise de identidade por constituir-se como um movimento multissetorial que congrega inúmeras tendências e propostas. A crise
apareceria também como resultado de um momento específico, cuja característica principal é a pluridade dos papéis sociais desempenhados por ambientalistas, independentemente de sua filiação” (FERREIRA, Lúcia, 1996 b). “Da constituição paulatina do ambientalismo como ator, cuja tarefa principal era ser portador da capacidade organizativa no interior da vida social, foi ele atirado a outros dois papéis simultâneos: de agente político e mediador entre a vida social e a política. Esse aumento na demanda por desempenho adequado do ponto de vista da representatividade em sua atuação no sistema político não foi acompanhado do tempo necessário para restabelecer o fôlego daqueles que integravam papéis militantes e lideranças, governamentais e deputados/vereadores, dentre outros. Tal dificuldade nunca chegou a ser resolvida, mesmo porque, nos anos 1990, lideranças e militantes de um modo geral tiveram de se desdobrar face as pressões internas e internacionais para reformularem sua organização interna e sua ação.”(FERREIRA, Lúcia, 2001, p. 67-68).
A institucionalização das políticas ambientais no Brasil e as lutas ambientalistas associadas
carregam, por um lado, a marca de lutas democráticas que foram construídas no e contra o regime autoritário e, por outro, o processo de emergência da questão social, a construção de
direitos sociais e econômicos de setores populares (ver FERREIRA, Lúcia, 1998 e 2001). O movimento ambientalista desenvolveu-se sobre esses dois signos: sofreu a influência e influenciou os dois processos. Por um lado, levantou a bandeira de participação pública através da criação de instrumentos participativos em conselhos e órgãos governamentais, exigindo audiências públicas de assuntos antes objetos de decisões fechadas no âmbito de governos e empresas e, de outro, conseguiu, não sem dificuldades, aliar-se às lutas de setores populares na construção da cidadania ; a campanha de Cubatão, nesse sentido, é emblemática dessas duas características.
Ver, para uma revisão da história do ambientalismo no Brasil a partir dos atores ambientalistas a publicação da Fundação Francisco (1997) e o livro Ambientalismo no Brasil, editado por João Paulo Capobianco e Fábio Feldmann (CAPOBIANCO e FELDMANN, 1997). O processo de institucionalização da política ambiental é um processo contraditório: a
criação de Conselhos de Meio Ambiente, em um primeiro momento, e depois a dos conselhos de recursos hídricos e comitês de bacias hidrográficas, ao mesmo tempo em que criou oportunidades reais de intervenção, abriu uma dinâmica política em que o estado, através de suas agências, procurou cooptar lideranças ou neutralizá-las através de mecanismos de discussão de projetos pontuais (os estudos de impacto ambiental são o exemplo claro dessa questão) em que a grande discussão de valores que marca o discurso ambientalista foi relegada a segundo plano ou sequer foi esboçada.
Esse processo foi hegemonizado por técnicos e dirigentes de órgãos do aparelho do estado e, no campo de disputa no espaço público, o discurso do desenvolvimento sustentado foi capturado por representantes empresariais para garantir a sobrevivência de modelos insustentáveis de produção e consumo A caracterização do ambientalismo, nesse período, como um ator multissetorial capta a expansão do discurso ambiental para outros atores sociais mas, por outro lado, dilui as tensões políticas entre os vários atores sociais.
Outros estudos têm procurado dar conta da institucionalização das políticas ambientais em nível local (FERREIRA, 1998; MIOTTO,1995 e SIVIERO, 1995); através de um recorte por bacia hidrográfica , de estudos comparativos regionais e das dinâmicas demográficas e suas implicações ambientais (HOGAN, 1989, 1996 e HOGAN e colaboradores, 1987, 1999, 2000, 2001 e 2002) ou ainda das influências dos processos de globalização nas questões ambientais (FERREIRA e VIOLA,1996). LOUREIRO (1992) e LOUREIRO e PACHECO (1995) fazem a reconstituição das políticas ambientais no Brasil a partir das disputas dos vários atores sociais. JACOBI (2000) estudou a atuação recente de organizações ambientalistas a partir da formação de redes interativas.
Mais recentemente busca-se entender os processos de gestão ambiental constituídos a partir
da Constituição Federal de 1988 , das legislações sobre recursos ambientais e das políticas ambientais de setores econômicos e ambientais específicos.
As políticas de conservação da biodiversidade, os conflitos sócio-ambientais em unidades de conservação e as disputas pela apropriação de espaços naturais têm recebido atenção de diversos estudiosos (cite-se, entre outros, LUCHIARI,1992, 1999; SERRANO,1993; Lúcia
FERREIRA ,1996 b ; CAMPOS, 2001 e SIVIERO, 2002). A partir dos trabalhos vinculados ao “Centro de Desenvolvimento Sustentável” da Universidade de Brasília vão ser organizadas, por Marcel Bursztyn, contribuições, de diversos autores, dirigidos à discussão de conflitos sócio-ambientais, com estudos de caso sobre o setor elétrico (BURSZTYN, 2001).
As políticas de recursos hídricos e saneamento ambiental vêm sendo analisadas (HOGAN, 1996; FRACALANZA, 1996; HOGAN e colaboradores, 1999, CARMO, 2001) e desses estudos têm emergido concepções mais matizadas sobre a expansão da preocupação ambiental no Brasil. NEDER (2002), por exemplo, discute o desenvolvimento da regulação pública ambiental em temas como a criação de unidades de conservação, a atuação de comitês de bacias hidrográficas e o controle da poluição.Para o autor, há uma crise da regulação pública (neo) conservacionista e dificuldades na construção da agenda sócio-ambiental em saneamento, serviços ambientais e recursos hídricos e na mudança da cultura “controlista” da poluição industrial para outra com ênfase em co-responsabilidades públicas e privadas.
De uma perspectiva de análise que combina os condicionantes sociais de questões ambientais com teorização da modernidade contemporânea como sociedade de risco, pesquisadores do CEBRAP desenvolveram uma avaliação da expansão viária e riscos ambientais no Brasil (COSTA, ALONSO, TOMIOKA, 2001). Do ponto de vista da sociologia do risco ambiental ressalte-se , ainda, os trabalhos de ROTONDARO, 2002; GUIVANT, 1992, 1998a, 1998b e a coletânea organizada por HERCULANO e outros (2000).
Para as políticas ambientais no Estado de São Paulo, há diversas bibliografias que atualizam as preocupações anteriores e lançam luzes sobre aspectos importantes da regulação ambiental paulista. Assim, MAGLIO (2000) faz comparações entre a descentralização ambiental em São Paulo e outros estados; FURRIELA (1999) estudou o CONSEMA sob a perspectiva da participação pública. Todos esses trabalhos são cartografias recentes do desenvolvimento das análises sociológicas e políticas sobre as questões ambientais no Brasil.

Fragmento extraído de: Almeida, J. G. A. de - Políticas Públicas e Gestão Ambiental (Geólogo, doutor em ciências sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas e assessor da chefia de gabinete da Secretaria do Meio Ambiente).

Nenhum comentário:

Postar um comentário