domingo, 11 de dezembro de 2011

SOBRE A FELICIDADE

Por Marina Peres Barbosa

Não é certo que procuramos a felicidade, por meio das coisas, das relações, das idéias, do pensamento? Desta forma, o que se torna de suma importância não são as coisas, as relações, as idéias, e não a felicidade. Isto é, toda vez que buscamos a felicidade em alguma coisa, esta coisa é que fica sendo importante, e não a felicidade. Assim exposta, a questão parece muito simples, e de fato é muito simples. Visto que buscamos a felicidade na propriedade, na família, nas idéias, assumem toda a importância a propriedade, a família e as idéias; contamos sempre encontrar a felicidade em alguma coisa. Mas, pode encontrar-se a felicidade em qualquer coisa que seja? As coisas feitas pela mão ou pela mente assumiram importância maior do que a própria felicidade, e, em vista da evidente impermanência das coisas, das relações e das idéias, somos sempre infelizes. Quer dizer, buscamos a felicidade nas coisas, e descobrimos que não existe, nelas, a felicidade. Se examinarmos um pouco mais atentamente, veremos que as coisas não trazem a felicidade. Do mesmo modo, se nos transferimos a outro nível, o nível das relações entre nós e outros, seja a sociedade, a família, ou a nação, depara-se-nos a enorme dificuldade de ajustamento entre nós e os outros. Assim sendo, se observardes a questão com toda a atenção, descobrireis que há uma extraordinária impermanência na vida de relação, malgrado os nossos esforços por ancorar-nos nela e por fazer dela um refúgio e um abrigo seguro. O mesmo acontece com relação ás idéias. Um sistema de idéias pode ser destruído por outro sistema de idéias, e assim por diante. Apesar de tudo, não parecemos reconhecer a impermanência de todas as coisas, entendendo-se o termo não no seu sentido metafísico, mas na sua acepção comum. As coisas são impermanentes, gastam-se. Na vida de relação há constante atrito. O mesmo se dá com as idéias e as crenças, que não têm estabilidade alguma. Todavia, buscamos em tudo isso a nossa felicidade, porque não reconhecemos a impermanência das coisas, das idéias e das relações. E, por essa maneira, depois de experimentarmos um dado conjunto de coisas, um dado conjunto de relações, passamos a outro, e continuamos a virar página por página, sempre na esperança de encontrar a felicidade, e sem encontrá-la nunca. É assim que se torna o sofrimento nosso companheiro constante, e o triunfo sobre o sofrimento o nosso problema principal.
Mas, como podemos triunfar do sofrimento? Nunca perguntamos a nós mesmos se é possível achar-se a felicidade numa coisa, no saber, no contacto com outros, ou em Deus. Pode alcançar se a felicidade por meio de um objeto, ideológico ou físico? É inevitável o sofrimento, enquanto buscamos a felicidade nalguma coisa. Não é exato que sempre procuramos a felicidade numa coisa qualquer e quando a não encontramos neste mundo, passamos ao outro mundo; quando a não encontramos na família, na virtude, nas idéias, tentamos encontrá-la numa entidade permanente chamada Deus? Portanto, é sempre numa coisa, sempre num objeto que queremos achar a felicidade.
O problema é, portanto, o seguinte: a felicidade, que nunca se encontra em coisa alguma, pode afinal ser encontrada? Se a não encontro numa coisa, pode ela existir, ou sou feliz somente quando não procuro a felicidade, quando não desejo achá-la numa coisa? Pode a felicidade existir por si mesma? Para o descobrir, cumpre-nos explorar o rio do autoconhecimento. Mas o autoconhecimento não representa, em si, um fim. E como se seguíssemos um rio até suas nascentes. É a nascente que constitui o rio? De certo que não. É cada gota d’água, do princípio ao fim, que constitui o rio, e é erro imaginar-se que encontraremos a felicidade na nascente. A felicidade não pode encontrar-se em coisa alguma, mas só no acompanharmos o rio do autoconhecimento, isto é, nós mesmos.
Nossa dificuldade consiste, portanto, em que temos de acompanhar não somente os nossos impulsos, necessidades e intenções conscientes, mas também os inconscientes. Os que temos escutado com certo interesse, já devemos ter feito a experiência de acompanhar conscientemente os nossos pensamentos e sentimentos. Quando tomamos conhecimento de nossos pensamentos, sentimentos e idéias conscientes, libertamos a mente de todo conflito, de todas as tribulações e confusões e começamos a receber os pensamentos é comunicações do inconsciente. Sendo assim, para começarmos a acompanhar a corrente do autoconhecimento, é necessária a clarificação do consciente, ou seja, que tenhamos conhecimento do que se passa no consciente. Isto é, com o conhecimento das atividades conscientes, o que vos asseguro ser muito difícil, podem ser compreendidos os pensamentos inconscientes e os nossos ocultos impulsos e intenções. E como o consciente é o presente, o agora, é através do presente que se poderão compreender os nossos pensamentos inconscientes e ocultos; e esses pensamentos inconscientes e ocultos não podem ser compreendidos por nenhuma maneira senão pelo tornar-nos intensamente cônscios do presente e pelo libertar-nos de todas as complicações, de todas as ações e pensamentos incompletos que a cada instante se nos insinuam na mente consciente.
Assim, pois, todos os que realmente queiramos experimentar, que desejemos realmente empreender a jornada, devemos libertar os pensamentos que ocupam a nossa mente consciente. Isto é — para falar de maneira mais simples — a mente consciente está, sem dúvida, ocupada com os problemas imediatos, o emprego, a família, os estudos, a política, o Brâmane e não Brâmane, e assim por diante. Ora, se não compreendemos esses problemas da mente consciente e não tratamos de eliminá-los como poderemos ir por diante? E essa eliminação não representa o constante problema de nossa vida? Ocupamo-nos com esses problemas — o estado, o nacionalismo, a divisão de classes, a propriedade, as relações e as idéias — problemas que incessantemente se nos insinuam na mente consciente. Como iremos resolver o problema da propriedade e da divisão de classe? — da propriedade, esse fator de tantos ódios e inimizades, de divisões de classe, de tanto conflito e desespero? Com esse problema se ocupa, realmente, a nossa mente consciente. E se o não eliminarmos, por certo não nos será possível ir muito longe no acompanharmos do rio do autoconhecimento.
Portanto, o que em primeiro lugar necessitamos é desse começo extraordinário, que consiste em dar um passo. Assim, pois, aqueles que desejem fazer a travessia para a outra margem, que desejem ver e descobrir aonde os conduzirá o autoconhecimento, precisam, por certo, tomar sentido, conscientemente, de tudo o que pensam e sentem, dos seus hábitos, tradições, expressões verbais, da maneira com que falam às suas esposas, aos seus servos, e aos seus superiores imediatos. Isso revelará como está funcionando a mente, e podeis, dai, caminhar para a frente e, caminhando, fazer vossas descobertas; e a descoberta do real é a felicidade, que não nos vem através de coisa alguma, mas que é, em si mesma, tal como o amor, eterna; o amor é eterno, não porque amais alguém, o amor é eterno em si mesmo.

Krishnamurti – Uma Nova Maneira de Viver – 16 de novembro de 1947
Só existe um meio de encontrar a felicidade inteligente, que é o de vossa percepção e discernimento próprios; e só por meio da ação é que podeis dissipar os múltiplos obstáculos que vos impedem o preenchimento. Si, por vós próprios, puderdes perceber, simples e diretamente, as limitações que vos impedem de viver completo e profundo, e de como foram elas criadas, então sereis capazes de dissipar... Se cada qual de vós puder ter plenitude, viver em completa harmonia - cousa que exige grande inteligência e não a persecução de desejos egoístas - então haverá o bem estar para o todo.
Krishnamurti no Chile e no México – 1935

Eu realizei aquilo que para mim é a suprema felicidade - não a oriunda do prazer, mas a que promana dessa quietude interior que é a segurança da tranqüilidade, a realização da inteireza. Em tal estado não existe progresso, mas sim realização continua, na qual todos os problemas, toda as complexidades se esvaecem. Essa verdade, essa integridade interna, existe em todas as coisas; em todo o ser humano; e essa realidade interna jamais está ausente no que é mínimo como também jamais se exaure no que é Maximo. Para mim, a verdade, essa integridade de que falo, acha-se em todas as coisas. Portanto, a idéia de que necessitais progredir em direção a realidade, é uma idéia falsa. Não se pôde progredir na direção de uma coisa que sempre está presente. Não se trata de avançar para o exterior ou de voltar-se para o interior, mas sim de se libertar dessa consciência que se percebe a si mesma como separada. Quando houverdes realizado tal integridade (unidade), vereis que tal realidade não têm ela futuro nem passado; e todos os problemas relacionados com tais coisas desaparecem inteiramente. Uma vez que o homem realize isso, vem-lhe a tranqüilidade, não a da estagnação, porém a da criação, a do ser eterno. Para mim a realização desta verdade é a finalidade do homem. Krishnamurti - Senhor do Dia de Amanhã.

Fonte: ICK Instituição Cultural Krishnamurti

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