quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A globalização através da perspectiva do Milton Santos

Por Alberto Kirilauskas

A globalização é um fenômeno não tão moderno. A primeira globalização pode ser entendida como a expansão do colonialismo que ocorreu em torno do século XVI. Aquela globalização possuía como base a demarcação territorial, era um processo de conhecimento das dimensões do mundo e uma vez conhecidas eram ocupadas num processo de expansão do continente europeu – estrutura capitalista. Por sua vez a segunda globalização que ocorreu no final do século XX tem como base a fragmentação do território. As empresas globais agem sobre o território o fragmentando, uma vez que elas são detentoras de poder que desfazem a estrutura política territorial, criando uma regulação para si própria. Detentoras de grande poder já não mais precisam do território único para sua produção, há uma rede de fornecedores que atendem suas demandas sem necessariamente estar no mesmo lugar, isso se torna possível pela livre fluxo de informações e mercadorias. Segundo Milton Santos (2001 p.23)[i]

a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista. Para entendê-la, como, de resto, a qualquer faz da história, há dois elementos fundamentais a leva em conta: o estado das técnicas e o estado da política.

Milton Santos. Autor não identificado.
As técnicas possuem seu uso político. Se Postman no seu livro tecnopólio traz elementos que nos fazem pensar que as técnicas serão utilizadas em todas as suas possíveis formas, para Milton Santos os elementos existentes em seus textos indicam que o uso político definirá o seu uso. É a lógica capitalista, da economia política, que orienta quais técnicas serão utilizadas e o local. Apesar da aparente oposição entre os discursos, entendo que eles não se contradizem em sua essência, uma vez que ambos autores pensam a técnica sobre bases diferentes, no caso do Postman a técnica se apresenta sobre a base da capacidade criativa humana de se apropriar de algo para atender os seus fins almejados, e já para Milton Santos a técnica está assentada numa base social já construída, onde será o social influenciando no individual. A compreensão da influência da sociedade no indivíduo, assim como o entendimento de que a sociedade é composta por indivíduos, é relevante para entender as ações sociais. Sobre uso político das técnicas discorre Milton Santos (2001 p.23)

as técnicas são oferecidas como um sistema e realizadas combinadamente através do trabalho e das formas de escolha dos momentos e dos lugares de seu uso. É isso que fez a história.

E completa dizendo que

(...) a globalização não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas. Ela é também o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente eficazes. (SANTOS, 2001 p.24)

A globalização que se iniciou no final do século XX, possui um conjunto de técnicas presididas pela técnica da informação. Para Santos (2001 p.24) no desenvolvimento da história as técnicas não são únicas, elas são criadas em conjuntos, assim entendo o termo “presidido” utilizando por Milton Santos para se referir as técnicas da informação.

Em nossa época, o que é representativo do sistema de técnicas atual é a chegada da técnica da informação, por meio da cibernética, da informática, da eletrônica. Ela vai permitir duas grandes coisas: a primeira é que as diversas técnicas existentes passam a se comunicar entre elas. A técnica da informação assegura esse comércio, que antes não era possível. Por outro lado, ela tem um papel determinante sobre o uso do tempo, permitindo, em todos os lugares, a convergência dos momentos, assegurando a simultaneidade das ações e, por conseguinte, acelerando o processo histórico. (SANTOS, 2001 p.25)

Pensar na globalização apenas como um processo deletério do desenvolvimento da humanidade é enxerga-la sob um único ponto de vista, o da perversidade. Mesmo esse sendo o modelo atual da globalização, é necessário enxerga-la como possibilidade para a construção de uma humanidade planetária de fato, onde se faz necessário observar que ir contra o processo de globalização se apresenta como ineficaz, uma vez que o desenvolvimento da mesma é extenso e ela se fundiu à sociedade mundial.
Para Milton Santos (2001 p.18),

de fato, se desejarmos escapar à crença de que esse mundo assim apresentado é verdadeiro, e não queremos admitir a permanência de sua percepção enganosa, devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.

O mundo como nos fazem ver: a fábula

A falsa noção de que as informações que são transmitidas ao mundo são reais, e não uma interpretação do mundo daqueles que são detentores da mídia de massa, somada ao encurtamento das distâncias para os que possuem recursos e podem se deslocar livremente por entre as barreiras existentes entre Estados difundem a noção de tempo e espaço contraído. Sobre essa base se propaga a idéia da aldeia global, todavia o que observa é a instalação de um mercado avassalador que acentua as desigualdades existentes nos locais, os tornando como apresentado por Milton Santos, espaços esquizofrênicos.

O mundo como ele é: a perversidade

A perversidade sistêmica que está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização. (SANTOS, 2001 p.20)

Os exemplos de perversidade são diversos, há desde o aumento da desigualdade entre países ou regiões dentro dos próprios países, assim como a falta de acesso à serviços básicos de qualidade como educação, saúde etc. A lógica é pagar pelo o que se usufrui, onde num mundo desigual o acesso será restrito aos que detém recursos monetários para pagar.

O mundo como ele pode ser: outra globalização.

(...)podemos pensar na construção de um outro mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. (SANTOS, 2001 p.20)

A globalização pode ser diferente se o uso das técnicas possuir outra forma de uso político. Aqui cabe apresentar o que Enrique Leff  aponta como necessário para a construção de uma racionalidade ambiental, que seria uma outra globalização. Leff[ii] (2006 p.250) diz que é necessário existir uma “reforma democrática do Estado para canalizar a participação da sociedade na gestão dos recursos; a reorganização transversal da administração pública.” Esse aspecto é importante para se pensar em outro uso político, tal uso tem de ser definido democraticamente.
A possibilidade de um novo discurso ganha esperança ao se pensar que há uma realidade empírica de universalidade. O período presente permite com que se veja a diversidade e que muitas vezes a sinta ao realizar deslocamentos em torno do planeta, que são possíveis com o aprimoramento dos meios de transporte. Para ver essa realidade é possível buscar apoio na técnica da informação, segundo o Milton Santos “hoje é muito mais fácil ser universal aqui mesmo (...) hoje qualquer pessoa com uma curiosidade mais aguçada acaba percebendo com o mundo é.” (SANTOS, 2006 44’30’’)[iii]
Destarte, a globalização se apresenta como um processo definitivo. Ir contra o a globalização em si, esse fenômeno de contato entre as diversas partes do mundo, se torna ineficaz, o que trará um desgaste do movimento que buscar seguir por esse caminho. Por sua vez, ir contra a globalização da forma que está sendo forçada pelos poucos detentores de poder organizado no mundo contemporâneo, é fundamental para a construção de uma nova sociedade, cuja a base seja a democracia real, o que incorporará o valor da diversidade dentro de sua estrutura, onde o diferente deve ser assegurado independentemente de ser maioria ou minoria.

Referências bibliográficas


[i] SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6ºed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
[ii] LEFF, Enrique. Racionalidade ambiental: a reapropriação social da natureza. Tradução Luís Carlos Cabral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 
[iii] SANTOS, Milton. Encontro com Milton Santos ou o mundo global visto do lado de cá. Documentário. 90 min, 2006.

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