quarta-feira, 25 de maio de 2011

A arte de viver

Por Alberto Kirilauskas


Mais do que aspectos técnicos com sua restrita capacidade de analisar a vastidão do ser humano e suas relações entre os próprios humanos e todo o meio biótico e abiótico que o cerca, é necessário aprofundarmos nas reflexões para que consigamos visualizar um caminho harmonioso a ser seguido pela humanidade. Dentre as diversas poesias e poemas de Carlos Drummond selecionei uma para esse momento que estamos vivendo: uma mistura de agonia pela degradação ambiental acelerada e de esperança por ver que existe beleza nas pequenas coisas. Boa degustação.


O sobrevivente

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de 
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade

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