sexta-feira, 11 de junho de 2010

Por Alberto Kirilauskas

Ao longo dos últimos anos, temos testemunhado o crescimento de um tipo muito diferenciado de movimento social que é contra a globalização neoliberal. Um movimento que freqüentemente fala das línguas das identidades locais, ameaçadas pelo desenvolvimento econômico. Entretanto, eu sinto que, nesse mesmo movimento, parece haver uma forte ambivalência. A identidade pode ser um caminho para a emancipação, mas também uma forma de opressão. O que você pensa disso?

Evidentemente, é cedo demais para fazer a avaliação final do significado histórico dos chamados movimentos “antiglobalização”. Penso, diga-se de passagem, que o termo é equivocado. Não se pode ser “contra a globalização”, da mesma forma que não se pode ser contra um eclipse do Sol. O problema, é o próprio tema do movimento, não é como “desfazer” a unificação do planeta, mas com domar e controlar os processos, até agora selvagens, da globalização – e como transformá-los de ameaça em oportunidades para a humanidade.

Uma coisa, porém, precisa ficar clara: “pense globalmente, aja localmente” é um lema mal concebido e até perigoso. Não há soluções locais para problemas gerados globalmente. Os problemas globais só podem ser resolvidos, se é que podem, por ações globais. Buscar salvar-se dos efeitos perniciosos da globalização descontrolada e irrefreada retirando-se para um bairro aconchegante, fechando os portões e baixando as janelas só ajuda a perpetuar as condições de ilegalidade ao estilo “faroeste” ou “terra de ninguém”, de estratégias do tipo “salve-se quem puder”, de desigualdade feroz e vulnerabilidade universal. As forças globais descontroladas e destrutivas se nutrem da fragmentação do palco político e da cisão de uma política potencialmente global num conjunto de egoísmos locais numa disputa sem fim, barganhando por uma fatia maior das migalhas que caem da mesa festiva dos barões assaltantes globais. Qualquer um que defenda “identidades locais” como um antídoto contra os malefícios dos globalizadores está jogando o jogo deles – e está nas mãos deles.

A globalização atingiu agora um ponto em que não há volta. Todos nós dependemos uns dos outros, e a única escolha que temos é entre garantir mutuamente a vulnerabilidade de todos e garantir mutuamente a nossa segurança comum. Curto e grosso: ou nadamos juntos ou afundamos juntos. Creio que pela primeira vez na história da humanidade o auto-interesse e os princípios éticos de respeito e atenção mútuos de todos os seres humanos apontam na mesma direção e exigem a mesma estratégia. De maldição, a globalização pode até transformar-se em bênção: a “humanidade” nunca teve uma oportunidade melhor! Se isso vai acontecer, se a chance será aproveitada antes que se perca, é, porém, uma questão em aberto. A resposta depende de nós.

Não vivemos o fim da história, nem mesmo o princípio do fim. Estamos no limiar de outra grande transformação: as forças globais descontroladas, e seus efeitos cegos e dolorosos, devem ser postas sob o controle popular e democrático e forçadas a respeitar e observar os princípios éticos da coabitação humana e da justiça social. Que formas institucionais essa transformação produzirá, ainda é difícil de conjeturar: a história não pode ser objeto de uma aposta antecipada. Mas podemos estar razoavelmente seguros de que o teste pelo qual essas formas terão de passar para poderem cumprir o papel pretendido será o de elevar as nossas identidades ao nível mundial – ao nível da humanidade.

Cedo ou tarde teremos de tirar conclusões de nossa irreversível dependência mútua. A menos que se faça isso, todos os ganhos que os grandes e poderosos obtêm em condições de desordem global (e que os fazem ofender-se e resistir diante de qualquer tentativa de estabelecer instituições mundiais de controle, direito e justiça democráticos) continuarão sendo obtidos de incontáveis seres humanos, aumentando ainda mais a insegurança e a fragilidade, já terríveis, do mundo que habitamos conjuntamente.

Zygmunt Bauman – Trecho do livro Identidade (2005)

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