quarta-feira, 15 de junho de 2011

A violência e o presente.

Por Alberto Kirilauskas
            Os sábados são dias que mexem com o imaginário de muitas pessoas, principalmente os das crianças. É o dia em que a escola não está presente – a escola não precisa ser assim, esse local em que nossas angústias são intensificadas e o que agrada são as brincadeiras fora do roteiro. Para os adultos que ainda não foram assaltados, e possuem os seus sábados para descanso, eles são dias para suas atividades mais prazerosas.
            Nos sábados tanto crianças como adultos podem fazer aquilo que lhes divirtam. Crianças correm pelas ruas, soltam pipas, jogam bola, jogam vídeo-game entre tantas outras atividades prazerosas, atividades que permitem a imaginação ir além da lousa. Adultos, vestidos com as bermudas de sábado, passam horas conversando com os vizinhos e fazendo pequenos ajustes na casa, e quando menos vêem é hora do almoço. A tarde é dia de irem passear, talvez num parque, numa praça, mas hoje não, hoje iremos ao shopping...

            Este sábado está ensolarado, e é férias - mesmo no período de férias as crianças sabem quando é sábado, pois os pais tomam café mais demorado e estão presentes nas manhãs, e as ruas ficam mais calmas. Todo o ritual da manhã foi realizado: acordamos cedo - acostumados com a vida da semana e com a vontade de aproveitar o sábado - levantamos das camas às sete horas e alguns minutos. Tomamos um café mais prolongado, falamos um pouco sobre coisas de rodas de mesa do café da manhã, e eu ainda criança, não muito mais que treze anos e não muito menos que catorze, sai mais rápido da mesa para me vestir com o traje de rua, shorte velho, qualquer camiseta, um boné e tênis, para poder correr melhor. A mãe, como se não quisesse nada se aproximou da casa da vizinha e ali elas passaram horas conversando, o pai estava com seus afazeres de pessoa curiosa, mexeu em equipamentos elétricos e ferragens. Brinquei na rua de soltar pipa e assim a manhã se esvaiu, mas logo nós tivemos a tarde inteira para aproveitarmos, e sabíamos que mesmo muito cansados ainda tínhamos o domingo com seus compromissos dominicais. Ainda antes da manhã de sábado ser finalizada pelo almoço soubemos que iríamos ao shopping e naquele dia nós fomos.
            A minha diversão era ir à loja de brinquedos do shopping. Com suas prateleiras que eu não alcançava o último brinquedo, com seus jogos fabulosos, com todo o potencial de mexer com a imaginação de qualquer criança. Para os adultos todo o design e segurança dos shoppings encantam, além do mais lá há guloseimas de adultos e de crianças. Mas a casa não era próxima ao shopping, tínhamos que andar quinze minutos num trajeto de chão batido com um mato meio alto para depois pegarmos dois ônibus que nos levaria a essa outra diversão coletiva, pois se for individual não deve ser diversão.
            O relógio ainda marcava o início da tarde, uma tarde de sábado ensolarada. Outras crianças continuaram brincando na rua. O pai ficou em casa mexendo na sua arte de ofício. A rua estática. O poste no mesmo lugar. Os pássaros voando. O gavião parado no ar aguardando algum roedor para pegar o seu almoço. Os pipas no ar. A vida fluindo entre os vizinhos. Sorrisos simples e tantos outros irônicos. Casas sendo limpas. Mãos torcendo os panos nos baldes. Televisões ligadas. Pessoas comendo churrasco depois de encher uma laje conjuntamente. Principalmente homens nos bares tomando cerveja. A vegetação crescendo desapercebida. Aviões, com pessoas que até hoje não sabem que eu existo, passaram no céu. Assim como eu até hoje não sei da existência de tantas pessoas e não sabia da existência de duas pessoas que marcaram minha vida.  
            Todos prontos, as crianças e adultos com suas roupas de sair, com a expectativa de diversão em subir o morro, pegar o ônibus, subir a escada rolante, chegar à loja de brinquedos... Então começamos pelo primeiro movimento, subir o morro para pegar o ônibus. Os três primeiros minutos foram tranqüilos, olhares sempre para o céu para observar os pipas, e vemos há meia distância uma roda de pessoas no meio do morro com seu mato de médio tamanho e quando nos aproximamos lá estava as pessoas que marcaram minha vida. No meio da roda de pessoas tinha um jovem assassinado com arma de fogo, em seu corpo o registro da violência e ao lado um par de tênis e uma senhora que muito chorava. Até hoje não conheço a história dele e daquela mulher. O que conheço são alguns instantes intensos. Onde a tristeza extrapolava o corpo dela enquanto o silêncio habitava a roda. Continuamos o trajeto para nosso destino e o universo mais uma vez se transformou.
Hoje essa violência está acontecendo enquanto tomamos o nosso café da manhã, em todos os dias das semanas, enquanto brincamos na rua ou quando vamos aos shoppings, e tantas vezes ela está relacionada com tudo isso. Ela está próxima de nós e muitas vezes somente sentimos o drama quando ela nos toca. Quando ela nos fere. Acredito que devamos pensar nela antes dela nos ferir mais, para que consigamos uma sociedade menos violenta.

13 a 19 de junho é celebrada a Semana de Ação Global contra a Violência Armada.

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