quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Às margens da Carajás

Por Alberto Kirilauskas

Um traço não linear riscando o estado do Maranhão liga pontos distantes. Por cima dos trilhos passa a riqueza dos solos dessa região, e passam também pessoas que vêm e vão de pontos mais próximos ou distantes, chegando ao destino desejado ou até onde a vida lhe permite alcançar. Das janelas dos dois lados do trem se pode observar às margens desse traço. Ali há desenhos de diferentes formas, tamanhos, cores e outros adjetivos, estas são as suas margens. E quem está de passagem vê parte de um mundo às margens, e a parte de um mundo não permite dizer muito mais do que a impressão estampada na retina por um breve instante. Não se ouve falas e não se toca. Nesse breve passar se sente uma pitada do aroma do local misturado com todo o cheiro da composição, e se escuta um tom do som local misturado com a percussão das engrenagens do trem e seu contato com os trilhos. E mesmo sendo um ponto, é um ponto denso, ponto que faz o coração bater diferente. Algumas vezes ele bate suave com as paisagens da terra e céu misturadas num único desenho e outras ele bate dolorido ou estranhamente alegre com as casas e casebres de tons pastéis.

Nas casas ou casebres moram pessoas, e elas enxergam a linha do trem que passa, e passa cheio. Leva pessoas e minérios e deixa nas casas os sonhos, muitas vezes ilusórios, de que aquele trilho a levará para a conquista do novo mundo tão conhecido das telas das tv’s e dos discursos e conversas da vida cotidiana. E lá está o caminho, parado, um caminho não movimenta as pessoas, ele apenas permite que elas trafeguem sobre eles. Todas as facilidades de um caminho, onde o trilhar é muito mais fácil, onde os riscos são menores, apenas estimulam a ida, mas nenhum ser humano é carregado totalmente involuntariamente, pois ele é capaz de refletir, todos somos capazes de reflexões, todavia o imaginário construído que muitas vezes é apresentado como se fosse um modelo adequado de vida, está presente no cotidiano de todos, onde se inclui aqueles e aquelas que se encontram às margens dos trilhos, e quem está às margens da Carajás possui um estímulo diferente, o caminho visível diariamente. Ele está alí, aparentemente ao alcance das mãos, das rudes mãos dos trabalhos braçais, mãos que levam e trazem coisas, mãos que fazem as cidade, vilarejos ou povoados ao longo dessas margens.

Ao passar pela Carajás, e parar por um instante de minha vida numa cidade às margens, fico com a estranha sensação gerada pela mistura dos valores doloridos e vivamente alegres dos que vêem tanta coisa passar e os valores frios do que passa e não observa quem estava, mesmo que por um breve momento, do seu lado, e o mundo dos valores dos minerais que nunca sentiram o sabor de olhar pela janela e tatear com os olhos a vida dos que ali vivem.

"Será que é o trem que passou

ou passou que ficou na estação?"

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